Centro Loyola de Fé

Viagem ao coração

“A aparição daquela estrela  os encheu de profunda alegria”  (Mt 2, 10)

Para fazer seus discípulos compreenderem que ele só estava lá para ajudá-los a descobrir a si mesmos, Rabi Bunam contava-lhes a seguinte história:

“Em Cracóvia vivia um judeu chamado Rabi Eisiq, filho de Rabi Yankel. Uma noite, teve um sonho no qual um homem lhe disse: ‘Vá a Praga, vá até uma ponte que leva ao castelo real e cave sob a terceira pilastra e descobrirá um tesouro’. Ele não deu muita atenção ao sonho. Mas, quando este se repetiu, idêntico, uma segunda noite, depois uma terceira, ele pegou sua trouxa, seus sapatos de caminhada, e se pôs a caminho de Praga. Chegando sob a ponte real, ele quis começar a cavar, mas a guarda real estava a postos e olhava espantada para Rabi Eisiq. O capitão dos guardas o chamou e perguntou: ‘O que é que você está fazendo? O que você procura?’. E Rabi Eisiq, em sua retidão habitual, lhe contou o sonho. Então o capitão dos guardas deu uma grande risada. ‘Meu pobre amigo’, disse-lhe ele, ‘foi por um sonho que você fez todo o trajeto de Cracóvia até Praga! Pense um pouco, se eu devesse dar atenção aos meus sonhos! Noite passada, sonhei que deveria ir para Cracóvia, na casa de Eisiq, filho de Yankel, já que sob o seu forno eu encontraria um grande tesouro. Imagine o que eu iria fazer em uma cidade onde a metade dos judeus se chama Eisiq e a outra metade se chama Yankel’. Rabi Eisiq, filho de Yankel, deu um grande sorriso, agradeceu ao capitão e voltou para Cracóvia, onde encontrou o tesouro escondido sob o seu forno.”

Devemos todos ir a Praga para descobrir que existe um tesouro em Cracóvia. Devemos todos fazer o “desvio” pela palavra de outro para ouvir ressoar nossas próprias palavras. A narrativa do outro vem fazer uma fratura em mim para me abrir a outra dimensão do mundo e de mim mesmo. A “viagem a Praga” me permite encontrar a palavra de outra pessoa que pode me conduzir a mim mesmo. Odisseia em que o eu da chegada é radicalmente diferente do eu da partida.

No desvio há encontros

Êxodo 3 – Somente porque Moisés é capaz de se abrir ao acontecimento, à visão que provoca o espanto e ao porquê que Deus lhe dirige a palavra. É somente porque Moisés é capaz de se afastar do caminho traçado para ver a contradição do “isso queima, mas não se consome”, que ele está apto para ouvir a palavra da revelação. A capacidade de se espantar, de se interrogar sobre o acontecimento, a não-indiferença às situações que encontra fazem do ser humano um ser libertado, que sai do determinismo, dos caminhos já traçados, em que tudo é decidido em seu lugar, imposto a ele. No porque está adormecida a causa da mudança, a recusa em deixar-se levar pelo destino, a recusa à passividade.

Jonas – Todo o livro de Jonas é a história de um homem que se levanta, põe-se a caminho, rumo a, passando pelo desvio. “Levanta-te, vá a Nínive!”, e Jonas se levanta para fugir, isto é, para realizar o desvio. Movimento aparentemente estranho no livro de Jonas, pois ele é inteiramente constituído pela descida (ele desceu para Jafa, no barco, no sono, na água, no ventre do peixe). Há como que uma necessidade de descer para subir novamente.

Santo Inácio – Depois da vigília de armas diante da Virgem, no mosteiro de Montserrat, em vez de encaminhar-se diretamente à Barcelona para ir à Terra Santa, como em princípio pensara, “desviou-se para um povoado chamado Manresa, onde determinara ficar uns dias num hospital e anotar alguns pontos em seu livro que levava bem guardado e que muito o consolava” (Aut.). Retirou-se a uma gruta aberta na rocha sobre o rio Cardoner, ali permanecendo por nove meses. A Autobiografia relata pormenorizadamente a sua permanência em Manresa, distinguindo com clareza as três etapas do seu itinerário espiritual: a primeira, de paz, sossego, alegria; a segunda, de escrúpulos, tentações e tribulações interiores; a terceira, de grandes luzes e maravilhosas ilustrações interiores. “Manresa é para Inácio o mesmo que o monte Sinai para Moisés, o mesmo que o monte Alverne para São Francisco de Assis”.

A partir destes exemplos, percebemos que o desvio é todo interior, um desvio nas profundezas do eu. A viagem interior, mesmo sob a forma de uma descida, é aprendizado para uma elevação, de uma transcendência. O desvio é uma uma aptidão para o encontro, e esse encontro é a revelação.

Texto Bíblico  Mt 2, 1-12

 

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