Um bom exemplo de como não fazer escolhas
“E assim depois de cansado de examinar o que seria bom fazer, não encontrando coisa certa a que se determinasse, resolveu deixar ir a mula com a rédea solta até ao lugar onde se dividiam os caminhos. E que se a mula fosse pelo caminho da vila, ele buscaria o mouro e lhe daria punhaladas; e se não fosse em direção à vila, mas pelo caminho real, não lhe faria nada. E fazendo aquilo que pensou, quis Nosso Senhor que, ainda que a vila estava a pouco mais de trinta ou quarenta passos, e o caminho que levava a ela era muito largo e muito plano, a mula tomasse o caminho real, e deixasse o da vila.” (Autobiografia, n. 16)
(Escrito por Juan Pablo Rodriguez Sandoval)
Sabemos que quando o Padre Inácio está narrando a história da sua vida para o Padre Gonçalves da Câmara, entre os anos 1553 e 1555, ele já é um homem maduro, com a sabedoria dos anos e a autoridade de ser o Prepósito Geral da Companhia de Jesus. É desde esse olhar que ele descreve a situação que enfrentou na sua juventude, no início de seu processo de conversão quando apenas estava começando seu caminho rumo a Jerusalém, com todo o fervor e a paixão que o motivava, porém, com toda a falta de preparo e experiência no mundo do discernimento.
A situação é até cômica e acaba gerando sorrisos e surpresa nos alunos das escolas onde tive a oportunidade de trabalhar e apresentar um pouquinho da vida do Santo Inácio. Parece absurdo pensar que o criador dos Exercícios Espirituais e o mestre do discernimento tivesse deixado na decisão de uma mula o destino daquele mouro que não conseguia honestamente entender o mistério da virgindade da Nossa Senhora (acaso nós conseguimos?).
Não podemos julgar o modo de pensar do Inácio com os critérios que temos hoje, quando falamos de diálogo inter-religioso e do respeito pela vida. No final das contas, todos somos filhos do tempo que vivemos, e ele agia de acordo com os costumes cavalheirescos e pareceu-lhe “que tinha feito mal em consentir que um mouro dissesse tais coisas de Nossa Senhora, e que era obrigado a defender a sua honra.” (Autobiografia, n. 15). Podemos imaginar aqui um Inácio quixotesco lutando com os moinhos de vento, doido de amor pela sua Dulcineia…
Como não fazer escolhas
Bom, o dilema enfrentado por esse Peregrino, determinado a seguir Jesus e fazer coisas maiores do que São Domingos e São Francisco fizeram, era enorme. (Autobiografia, n. 7). Devia decidir se dava punhaladas no mouro ou se o deixava continuar seu caminho. Inácio nos apresenta um claro exemplo de como não deve ser feito um discernimento!
Agora, me deixe fazer uma pergunta, caro leitor que está lendo essa reflexão inaciana no contexto desse ano jubilar e estando próximos a celebrar a festa do nosso amado Padre Inácio: você está deixando ir sua mula com a rédea solta ou está segurando firme o rumo do seu peregrinar?
Muitas vezes na minha vida eu fiz escolhas como as do Inácio que, felizmente e por Providência Divina, me livraram de perigos e riscos para mim ou para os demais. Mesmo tendo feito Exercícios Espirituais e conhecendo a dinâmica do discernimento, errei muitas vezes nas minhas decisões, achando que estava fazendo a Vontade de Deus, quando no fundo do meu coração sabia que estava caindo nas ciladas do mal espírito e com meus afetos desordenados.
No contexto dos 500 anos da conversão do Inácio, você e eu, todos nós, estamos sendo convidados a olhar profunda e sinceramente para nossas vidas desde a mirada misericordiosa de Jesus, reconhecendo nosso caminho com seus desafios e lutas, segurando com firmeza a rédea das nossas decisões e pedindo a luz do Espírito para ser agentes de transformação da sociedade que está precisando de homens e mulheres dispostos a em tudo amar e servir.
Antes de acabar essa reflexão quero convidar você a duas coisas antes de terminar esse ano jubilar: fazer alguma jornada de Exercícios Espirituais que ajude você a discernir sua vida, e ler o livro “A caminho com Inácio”, uma conversa do Padre Arturo Sosa, SJ com Darío Menor.
Texto Bíblico: Jr 18, 1- 6