Terça-feira Santa – A despedida com rosto de ternura
Junto com Jesus, fiel até o fim, façamos nosso percurso em direção à páscoa da Nova Vida
“Um de vós me entregará”
– Busque criar um ambiente propício para a oração deste dia: espaço externo, atitude interna, silêncio… para viver mais intensamente os “momentos finais” da vida de Jesus.
+ Peça a Deus a graça de participar dos sentimentos de Jesus, às vésperas de sua morte.
– Leia as “indicações” abaixo como ajuda para “entrar em contemplação”:
Como ontem, você é convidado(a) a participar de outra ceia de despedida. A ceia de Betânia foi rica em símbolos de amor, de amizade, de festa, um esbanjamento de humanidade. A ceia de hoje (em Jerusalém) é marcada por uma comoção profunda, onde Jesus vê-se traído, vendido, enganado e abandonado por aqueles que Lhe juravam fidelidade e amizade profunda. Esta noite, Jesus começou a sentir que estava sozinho. É o sentimento mais duro e doído que alguém pode passar.
Jesus está celebrando a última ceia com os seus discípulos; tinha acabado de lavar os pés deles e de ter falado do dever que temos de lavar os pés uns dos outros. Judas já tomou a trágica decisão, e depois de tomar o último pedaço de pão das mãos de Jesus, saiu para cumprir sua traição.
Sabemos que as palavras pronunciadas nos momentos de despedida são diferentes de todas as outras. Nessas horas, só se dizem palavras essenciais, as mais íntimas, as que estão no fundo do coração e que se deseja que sejam lembradas para sempre.
Suas palavras são carregadas de emoção e dor e causam-nos maior impacto.
Durante as contemplações dos mistérios da Paixão e Morte de Jesus, um personagem vem sempre à nossa lembrança: Judas Iscariotes. Reagimos negativamente frente sua traição a Jesus, mas no fundo ele nos causa repulsa porque é projeção das nossas infidelidades e traições. Ele é o espelho no qual nos vemos.
Certamente o maior sofrimento de Jesus partiu do grupo mais íntimo; da perseguição externa já era esperada, mas do grupo de convivência dos discípulos, foi muito duro para Jesus. E Judas era considerado “um dos Doze”.
Podemos destacar duas dimensões na Paixão: uma acontece no grupo interno (traição, negação, busca de poder, incompreensão da missão…); isso provoca profundo sofrimento em Jesus. A outra paixão é provocada pela oposição, perseguição externa… Geralmente ficamos impactados com os sofrimentos físicos cometidos pelos opositores. O sofrimento interno não é visível, mas é maior.
Mas… o que vem a ser a traição? Como ela se manifesta na nossa vida? Por que traímos a confiança do outro?
O ato de trair implica romper uma aliança que uma pessoa fez com outra. Trair é uma ação que revela sérias conseqüências, e, quando se fala de relacionamento humano, envolve sofrimento e sensação de abandono, gerando um estado de desconfiança generalizada naquele que foi traído.
Traição dói na proporção inversa da distância. Quanto mais próxima a pessoa traidora, tanto maior a dor do traído. A traição se situa no mundo das amizades, das vinculações afetivas intensas, das ligações íntimas, das proximidades de vida.
Judas se tornou o símbolo da traição porque fazia parte do grupo íntimo dos apóstolos. Foram anos de convivência nas mesmas caminhadas, nas noites ao relento, nas pregações, nas refeições simples do dia-a-dia e nas festas. Jesus e Judas viviam elos de amizade, de confiança, de esperança entre si.
De repente, rompe-se tal aliança e Judas entrega Jesus aos adversários.
Com a traição, Judas passou da amizade para a decepção, para a desilusão, para a perda de vinculação até a entrega. Processo lento que foi minando o seu coração, até que ele se corrompeu, a ponto de renegar a amizade e trair.
Quando Jesus anuncia que um deles vai lhe entregar, todos ficam “assustados”, “olham-se mutuamente”, mas não conseguem identificar o traidor.
Os traidores não têm um rosto especial; qualquer rosto vale para dissimular a traição do coração; qualquer rosto vale para esconder um coração traidor.
Judas, em nada dava sinais de ser diferente do restante dos discípulos. Por isso ninguém se atreveu a acusá-lo de traidor. Parecia tão normal como qualquer outro do grupo.
É que as traições são alimentadas e escondidas no coração; as traições não têm rosto, não são visíveis. Por isso mesmo, os traidores, são tão difíceis de serem reconhecidos. Caminham como todos. Comem como todos. Sorriem como todos. Tem cara de amigo, e por dentro carregam um coração vendedor de vidas, de dignidades.
Quê aconteceu no coração de Judas nessa noite da Última Ceia? Rodeado de um mundo de mistério, rodeado de um clima de bondade, de amor e salvação, e, no entanto, o coração de Judas está em outro lugar. Está impermeável à verdade que se celebra; está seco em seu interior, fechado ao mistério da graça.
Poucas experiências destroem tanto alguém por dentro como a traição.
Quem traiu e quem foi traído assume reações semelhantes, como esvaziamento da afetividade, sensação de inutilidade vital, desorientação, perda do sentido da própria existência, angústia, pânico, fobias e medos generalizados diante das pessoas e do mundo. A traição desmonta a esperança no outro ser humano e leva à descrença na existência do amor. A traição tira do ser humano sua capacidade de dar respostas à vida, de envolver-se num projeto e num ideal maior, que ultrapasse o valor de sua própria vida.
– Leia atentamente o Evangelho da liturgia de hoje: Jo 13,21-33.36-38
– Com a imaginação, ative todos os seus sentidos, para poder participar intensamente da cena.
– Faça-se e sinta-se presente na sala da Última Ceia, como um(a) “humilde servidor(a)”: observe o ambiente preparado, a disposição da mesa, o jarro e a bacia para o lava-pés, os pães ázimos, ervas amargas, vinho…
– Centre sua atenção na chegada de Jesus e seus discípulos; observe as feições de cada um deles, tomando lugar à mesa… Procure escutar o que estão dizendo…
– À meia-distância, observe a seriedade do momento, escute as palavras de Jesus ao tomar o pão e o vinho… Sinta-se desconcertado quando Jesus anuncia que um do grupo vai ser o traidor. Veja as reações dos discípulos, a tristeza de Jesus…
+ Escute Jesus, que diz em voz alta o que todos estão sentindo: “Filhinhos, por pouco tempo ainda estou convosco”. Fala com ternura. Quer que suas últimas palavras e gestos fiquem gravados nos corações de todos nós.
+ Converse com o Senhor: uma conversa feita mais de presença que de palavras.
Diante de “Jesus traído”, recorde experiências pessoais de traição: quando foi traído? Quando traiu? Como se sentiu?
+ Passe um bom tempo nesta sala, onde está acontecendo um evento histórico e essencial para os seguidores de Jesus: a instituição da Eucaristia. Participe também você da refeição.
+ Termine a oração fazendo uma revisão e anotando as moções que brotaram do encontro com Jesus na Última Ceia.
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ