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PENTECOSTES: livres como o vento (23/05/2021)

PENTECOSTES: livres como o vento

“Soprou sobre eles e disse: ‘recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)

Corre pela rede este relato: uma pessoa idosa e com recursos econômicos contraiu o Covid; os médicos, temendo por sua vida, aconselharam a colocar-lhe um respirador; e ele começou a chorar. A enfermeira que o cuidava lhe perguntou: “O senhor está chorando porque não tem dinheiro para pagar o respirador?”. “Não – respondeu o ancião – choro porque estive respirando gratuitamente toda a minha vida e só agora me dou conta do valor desse grande presente”.
As circunstâncias desse enfermo e a dos apóstolos fechados são semelhantes, pois eles se encontram confinados, um com a Covid e os outros estão fechados no Cenáculo. Em ambos os casos está presente o medo da morte: um, por um vírus maligno e outro, pelas autoridades romanas, que querem acabar com o movimento de vida iniciado por Jesus. Também coincide o método curativo: para o ancião infectado, um respirador que lhe injeta oxigênio nos pulmões; para os discípulos de Jesus, a chegada do sopro divino que fortalece seu espírito. A grande diferença é que o hospital cobra enquanto que o Espírito é gratuito.
O relato nos ajuda a tomar consciência da presença do Espírito em nossas vidas pois Ele, como o oxigênio, sempre esteve ao nosso lado, mas nos acomodamos no habitual e esquecemos desse “ar vital” que nos mantém sempre criativos, inspirados e sonhadores. O Espírito é nosso “respirador” existencial. Por isso, é preciso, de tempos em tempos, uma sacudida – interna e externa – para que nos recordemos dessa presença, muitas vezes silenciosa como uma brisa, outra vezes como um vento impetuoso.
A liturgia cristã é muito sábia dividindo o ano com festas que indicam os marcos mais importantes de nossa fé: a encarnação, ressurreição e agora Pentecostes, que são como “toques” para despertar nossa atenção.

O Espírito Santo é o “oxigênio” que nos faz respirar.
Descobrir, no dia-a-dia, que o Espírito é essa Presença forte e terna ao mesmo tempo, e que, como o oxigênio para respirar, nos envolve, nos habita e nos constitui; despertar-nos para essa realidade é muito libertador. Mesmo estando em confinamento, essa Presença percebida como silêncio, como proximidade, como força, como alegria…, se converte em caminho, em Vida amassada com nossa vida, e nos “levanta-ressuscita” do sonho quase apagado para conectar-nos com o Sonho de Deus, seu Reinado.
A festa de Pentecostes vem acompanhada de muitos símbolos. Um vento que levanta e dispersa o pó que estava sedimentado em nossas vidas, um fogo que aviva as brasas que estavam apagadas em nosso interior; uma luz benfazeja que nos possibilita ver com claridade o caminho que se abre diante de nós: a senda que Jesus indicou para seus seguidores(as); uma força que afasta nossos medos e derruba as paredes que dão a falsa sensação de segurança; o Espírito é a Vida mesma de Deus: na bíblia, é sinônimo de vitalidade, de dinamismo e novidade. Vento, fogo, luz, força, vida… tudo grátis, ao alcance de nossa mão; basta abrir-nos à presença inspiradora e mobilizadora do Espírito.
É o Espírito dos mil nomes…, nas religiões, na arte, nas grandes descobertas, nos momentos de inspiração, nas experiências fundantes de nossa vida. “A minha direção é a pessoa do Vento” (M. Barros).

Foi o Espírito que impulsionou a missão de Jesus e que agora se encontra também na raiz da missão da grande comunidade de seus seguidores e seguidoras.
A imagem do Ressuscitado “soprando” sobre os discípulos contém uma riqueza instigante: significa parti-lhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo…
Na sua conversa noturna com Nicodemos Jesus tinha dito que “o vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é também todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8). O vento é livre; e tem tanta liberdade que ninguém pode segurá-lo. O que Jesus destaca é a “liberdade” do vento, que não se deixa escravizar, submeter ou dominar. É o símbolo perfeito da liberdade indomável; uma liberdade que está ali onde está o Espírito.
O evento de Pentecostes nos remonta ao coração mesmo da experiência cristã e eclesial: uma experiência de vida nova com dimensões universais.
O dia da festa de Pentecoste é, de verdade, a festa dos homens e mulheres livres como vento, festa do novo nascimento. E, neste mundo, começará a ser possível a harmonia da liberdade com a igualdade, a comunhão com o respeito à diversidade, a verdade com a acolhida do novo…

Viver uma “vida segundo o Espírito” é deixar-nos recriar, deixar-nos mover, transformar, alargar.
Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.

De imediato, nos sentiremos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver como filhos e filhas do Vento”.
O Santo Espírito é o sopro que vivifica, anima, restaura e congrega. Pela linguagem do amor, Ele acende a luz da paixão e permite desenvolver os dons da alegria, do entusiasmo, da compaixão, do cuidado, da esperança e da fé inabalável. Tais atitudes construtivas não são obra nossa, mas dom e fruto do Espírito, que se revela como algo agradável, fascinante, belo, alegre, espontâneo, saboroso como um fruto.
Nós as vivemos, sim, mas é a “Ruah” que as desperta em nós, pois elas estão presentes como “reservas de humanidade” em nosso interior.

Somos “filhos e filhas do Vento”, a Ruah de Deus.
Homens e mulheres do vento somos todos nós, quando nos deixamos mover de acordo com os movi-mentos do coração de Deus e da paixão pela humanidade. Movidos pelo Espírito de Deus, acreditamos e construímos mediações libertadoras que promovem, incentivam e enobrecem o espírito humano. Passamos a preferir a proximidade à distância, o dinamismo à inércia, a criatividade à normose…
Nosso tempo pede que sejamos homens e mulheres do Vento, que ajudam o mundo a respirar e sentir a vida palpitar; que buscam, na terra, viver o sonho do Reino; que alimentam as chamas da esperança nos corações sonhadores; que se reconhecem humildes ante a misericórdia e o infinito de Deus; que acreditam na força dos pequenos e dos gestos simples; que vibram com as conquistas justas e que se compadecem da miséria do humano; que cuidam de tudo e de todos com ternura e carinho.
Como “filhos e filhas do Vento” basta deixar-nos envolver, escutar o Sopro daquela voz que habita a di-mensão mais profunda da vida e que se aninha nas cavida-des mais secretas de nossa existência.
É o Sopro que nos faz viver, e viver em plenitude.

Texto bíblico: Jo 20,19-23

Na oração: Precisamos do Sopro que verdadeiramente nos agite,
nos empurre, nos arranque de nossa vida estreita e estéril.
O Espírito é um dom para os fundamentos, não para a maquiagem.
– Abra seus pulmões e deixe o “oxigênio” da Vida chegar até às dimensões mais profundas de sua vida, talvez ainda não bem integradas; deixe que Vento levante a poeira da acomodação, do medo, da insegurança… para o despertar de um novo impulso vital., criativo e aberto.

Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

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