O que está perdido em meu interior – 15 de setembro de 2019
“Encontrei a minha ovelha que estava perdida”; “encontrei a moeda que tinha perdido”; “este teu irmão estava perdido, e foi encontrado”
As três parábolas deste domingo, relatadas por Lucas, condensam toda a história de nossa salvação. Elas contêm a quinta-essência do Evangelho do Reino do Pai, proclamado por Jesus, ou seja, a história do amor de Deus para com a humanidade.
Justamente por ser o Evangelho condensado, as parábolas contadas por Jesus devem ser incessantemente escutadas e contempladas por todos nós. E, depois de contempladas e experimentadas, devemos contá-las, proclamá-las e testemunhá-las, sempre de novo, a todos os homens e mulheres que Deus ama.
Elas são as parábolas da nossa vida, da nossa história, de cada um dos nossos caminhos.
Elas são as parábolas da nossa origem e do nosso destino.
As três parábolas da misericórdia são, na verdade, as “parábolas dos perdidos”.
O que Jesus quis proclamar, ao contá-las, foi revelar a nova imagem do Deus Pai/Mãe que, movido pelo seu amor, misericórdia, perdão, sai ao encontro dos que estão “perdidos”.
As três parábolas expressam, com uma força insuperável, dois temas particularmente caros a Lucas e vinculados entre si: o tema da misericórdia e do perdão oferecidos por Deus aos pecadores, a todos os “perdidos”, e o tema da alegria do mesmo Deus quando os perdidos são encontrados.
A trama das três parábolas é a expressão de que vivemos permanentemente banhados pela misericórdia reconstrutora de Deus, e que se expressa no perdão contínuo. Jesus, nestas parábolas, nos revela que Deus vai aonde nunca antes ninguém se atrevera ir, acompanhando-nos com sua presença, aproximando-se de nós e nos convidando à festa do seu perdão, com uma misericórdia sem fim.
As três parábolas também revelam o caráter de defesa feita pelo próprio Jesus, do seu modo de vida, do seu comportamento, particularmente do seu relacionamento com os extraviados e excluídos. O Evangelho que Jesus proclama com palavras e ações é a Boa Nova da salvação para os perdidos; e é, ao mesmo tempo, apelo à conversão dirigido aos que se consideravam “justos”, mas se fechavam ao amor e ao perdão.
O que escandalizava os destinatários das três parábolas, que se consideravam justos e cumpridores exemplares da lei de Deus, não era propriamente a conduta dos pecadores, mas a conduta do próprio Jesus com relação a eles: permitia que os pecadores se aproximassem dele, recebia-os de coração aberto, tomava a iniciativa de ir ao encontro deles e sentava-se com eles à mesma mesa.
O comportamento de Jesus é uma “parábola viva” do comportamento de Deus com os pecadores.
Os escribas e fariseus não podiam suportar que Jesus proclamasse o Deus que acolhe e perdoa incondicionalmente a todos, que tem um carinho especial e um amor de predileção pelos perdidos; um Deus que sai ao encontro dos perdidos e que transborda de alegria quando os encontra.
Esse Deus “novo” anunciado por Jesus era um Deus “desconcertante”, “escandaloso”, totalmente incompatível com o “deus legalista” dos escribas e fariseus. Por isso, a pregação e o comportamento de Jesus eram intoleráveis para eles.
As três parábolas nos revelam os sentimentos e as ações do “Abba de Jesus” com relação aos filhos perdidos. Revelam-nos um Deus cheio de ternura e de misericórdia que vai ao encontro dos perdidos, libertando-os da exclusão e do isolamento; um Deus que exulta de alegria quando os reencontra e que convida a todos para a festa da comunhão e da alegria pelo seu retorno.
As três parábolas de Lucas nos permitem também fazer uma leitura em “chave de interioridade”, ou seja, “o quê está perdido, rejeitado, escondido… dentro de mim”?
Os entendidos em restauração de obras de arte sabem que não se trata de voltar a pintar de novo a obra em questão. Nem sequer refazê-la, com outras cores, o que parece que está perdido. Um bom restaurador procura limpar com delicadeza e paciência cada detalhe do quadro, com a única pretensão de trazer de novo à luz o mais original da obra. Isto é o que Deus faz conosco, através de sua misericórdia. Nos limpa com delicadeza em cada esquina e dobra de nosso coração. A misericórdia de Deus atua para que venha à luz o mais original que há em nós. Somos filhos (as) de um Deus que é todo bondade e amor. Somos obras de arte restauradas pelo amor ativo de Deus.
Viver a experiência da misericórdia é deixar-nos reconstruir por um amor que nos oferece a possibilidade de sentirmos novamente como filho e filhas de Deus.
Precisamos, como Deus, tomar iniciativa, aprender a nos aproximar daquilo que está perdido e desgarrado em nós, sem julgamentos e sem moralismos. Aproximar-nos, acolher, abraçar, colocar nos ombros, tudo o que foi rejeitado e excluído, para pacificar nossa interioridade.
Tudo aquilo que consideramos “perdido” (fragilidades, feridas, traumas, fracassos, crises…) tem algo a nos revelar. Nada pode ser rejeitado, tudo deve ser acolhido pois tudo compõe a nossa história de vida. Precisamos fazer as pazes com o que foi reprimido e afastado e que continua gerando um mal-estar interior.
O diálogo com as ovelhas desgarradas, as moedas perdidas e o filho pródigo, significa dirigir a atenção para as áreas reprimidas de nossa condição humana e que foram excluídas porque centramos forças em alimentar nossas imagens aureoladas e ideais exagerados, dominados pelo desejo de sermos perfeitos e infalíveis (fariseus e mestres da lei). Acolher e integrar tudo o que é humano (também o que está afastado dentro de nós) é a condição para a verdadeira experiência de Deus.
O encontro com o que está perdido em nosso interior é oportunidade para nos lançarmos por inteiros nos braços misericordiosos de Deus. Pois Ele vem ao nosso encontro em nossas carências e fraquezas; Ele nos procura através de nossos fracassos, de nossas feridas, de nossas limitações… Deus serve-se do que está perdido em nós para abraçar-nos carinhosamente.
Portanto, o caminho para a integração e alegria interior passa pelo encontro e acolhida de tudo aquilo que foi rejeitado, reprimido e excluído dentro de nós, consumindo muita energia.
A espiritualidade das parábolas de Lucas nos mostra que é exatamente em nossas feridas onde Deus encontra mais facilidade para entrar em nossas vidas e reconstruir nossa identidade verdadeira: filhos e filhas amados (as) com um “amor em excesso”.
“Lá onde nós fomos feridos, onde nos quebramos, aí nós também nos abrimos para Deus” (H. Nouwen)
Poderíamos nos interrogar: o que é que Deus deseja nos revelar por meio daquilo que está “perdido” em nós? Procurar e buscar o que está “perdido” em nossa casa interior significam “buscar e encontrar a Deus” exatamente em nossas paixões, em nossos traumas, em nossas feridas, em nossos instintos, em nossa impotência e fragilidade…
Viver uma nova espiritualidade significa, então, não buscar “ideais de perfeição”, mas dialogar com a “vida perdida” e que deseja retornar ao lar, espaço do amor misericordioso.
A partir da experiência da misericórdia podemos reunir em nosso redil, em nossa casa, tudo o que se afastou e se perdeu. Daqui poderá brotar nova possibilidade de vida, mais leve e mais humana.
Texto bíblico: Lc 15
Na oração: Qual é a ovelha desgarrada do seu interior que é preciso ir
atrás dela, acolhê-la e poder integrá-la ao redil? Qual é a moeda que ali se perdeu?
– apresente a Deus suas ovelhas e moedas perdidas, para que, na luz da sua misericórdia, tudo adquira novo brilho e nova vida.
Pe Adroaldo Palaoro, SJ
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