O mapa do eu interior
“Que palavras são essas que trocaram enquanto ides caminhando?” (Lc 24,17)
A pergunta de Jesus aos dois discípulos de Emaús e a cada um de nós deve ser entendida como uma ajuda à investigação do próprio eu. Ele não propõe a pergunta simplesmente para colher informações, mas sobretudo para que cada um se revele a si próprio, verbalize e sua tristeza e as esperanças frustradas. Jesus, com isso, possibilita conhecer-se aos poucos, ficar atento a si mesmo, entender cada vez melhor o seu coração, qual é o mapa do seu eu interior. Isso faz emergir aquilo que cada um sente e o preocupa, aprendendo a escavar dentro de si, à cata de motivações profundas, a perguntar-se sempre o porquê das coisas, dos fatos, dos sentimentos, daquilo que se faz.
Jesus possibilita cada um entrar em seu próprio mundo e captar em profundidade a sua particular realidade, a perceber a raiz do seu ideal de vida, cada vez mais atraente, convincente e exigente, como também suas contradições e ilusões, medos e necessidades. Nesse mergulho interno cada um pode construir uma espécie de mapa do seu eu, com as regiões fortes e fracas, potencialidades e necessidades, vulneráveis e criativas, transparentes e ainda misteriosas.
Viagem em busca do mundo dos desejos
É uma viagem atrás do seu conteúdo e do seu significado, em geral, expressos por símbolos. Através desses símbolos a pessoa exprime o seu universo significativo, aquilo que para ela é importante, não só no nível intelectual, mas também emocional-afetivo, ou os seus desejos/sonhos, o seu modo de projetar o futuro e a sua felicidade.
Jesus se aproxima e faz estrada junto com eles: indaga, esclarece, questiona e ilumina, toca o coração deles e os olhos começam a se abrir. “Então seus olhos se abriram e o reconheceram” (Lc 24,31). Os dois peregrinos reconhecem Jesus no ato de partir o pão, mas na realidade eles são introduzidos num conhecimento totalmente novo do Mestre e dentro desse conhecimento descobrem também o sentido da própria identidade de discípulos e da missão a eles reservada.
É a história de toda pessoa, sempre ligada a uma experiência de Deus, a um conhecimento novo d’Ele. Não tanto porque esse conhecimento se valeu de elementos inéditos, mas fundamentalmente porque no interior dessa experiência de Deus o indivíduo descobre também a si mesmo, a própria identidade, a própria missão.
Esse é um dos elementos que mais qualificam nossa vivência cristã: o laço entre a experiência com Deus e a descoberta do eu, entre teofania (manifestação de Deus) e auto identidade, entre oração como contemplação do divino e oração como busca do próprio eu.
Na busca, o encontro
É um laço que não só unifica a vida e o indivíduo, mas lhe dá uma direção precisa. A pessoa sabe onde buscar-se e onde encontrar o sentido da própria vida, ela sabe que a Palavra de Deus fala também dela e daquilo que é chamada a ser, sabe que o perfil de Deus contém também as linhas do seu próprio perfil. Sabe, todos os dias, que a Vida de Cristo relata também a sua história: “o mistério rezado e contemplado torna-se cada vez mais fonte da sua própria vida”.
Texto Bíblico Sl 139 (138)