Centro Loyola de Fé

O azeite que alimenta a luz é nossa essência – 32ª semana do tempo comum – 12.11.2023

“As jovens previdentes levaram vasilhas de azeite junto com as lamparinas” (Mt 25,4)

 

Os textos evangélicos destes últimos domingos do ano litúrgico nos convidam a velar, a estar mobilizados, numa atitude de expectativa diante do Deus que sempre está vindo ao nosso encontro. Ele não nos espera no final do caminho para nos submeter a um juízo. Não, Deus está em nós todos os instantes de nossa vida para que possamos levá-la à plenitude, ou seja, para salvar-nos n’Ele.

É preciso estar alerta, porque o tempo passa. Se estamos distraídos e adormecidos, é preciso despertar, porque do contrário perderemos a oportunidade de “entrar na festa de casamento”.

Neste domingo, a parábola de Jesus nos convida a não ficarmos sem azeite em nossas humildes lamparinas, para que nossa presença cristificada brilhe como luz potente nos momentos oportunos. É o momento de nos perguntar sobre qual fundamento está assentada nossa esperança (espera ativa).

Nas esperas, muitas vezes esquecemos de manter a chama acesa. A parábola das dez virgens nos chama atenção para isso. Talvez porque passamos a vida esperando passivamente, sem saber o quê ou quem, e não desfrutamos dos encontros que a mesma vida nos proporciona. Muitas vezes vivemos condicionados pelo anseio de algo que está à frente, de um futuro que sonhamos e que, às vezes, quando chega, não corresponde às nossas expectativas. Nestas esperas indefinidas e estéreis vamos desperdiçando o azeite das lamparinas, vamos nos gastando a nós mesmos na superficialidade e na falta de compromissos.

 

Lida em seu sentido literal, a parábola deste domingo parece cair numa contradição, já que as jovens “sensatas” aparecem como egoístas, quando se negar a partilhar seu azeite com as do outro grupo.

Mas, toda parábola busca ser provocativa e não podemos nos limitar a uma leitura literalista da mesma. Trata-se de identificar o objetivo que ela indica. E, neste caso, parece claro que ela procura destacar outra questão: a importância decisiva de ter acesso às reservas de “azeite”, como reserva de “vida” diante da vinda surpreendente do “noivo”.

No relato, o azeite é aquilo que alimenta a lamparina, ou seja, que torna possível a luz. Com isso, o eixo da parábola nos remete a esta questão: que é que possibilita, mantém e alimenta a luz em nossas vidas?

Qual é o azeite que faz arder a nossa lamparina existencial?

Toda pessoa possui reserva abundante de azeite em seu interior, como algo próprio dela e é, portanto, intransferível: é o dom da existência, a vida em seu sentido mais profundo. O azeite não é algo que se possa dar e receber, que é oferecido a partir de fora, como uma coisa objetiva que um homem ou mulher pudessem dispor de si mesmos; o azeite é vida profunda, a mesma vida humana que o homem e a mulher devem cultivar, sendo eles mesmos.

Homens e mulheres são ‘azeite” que ilumina enquanto se consome, fazendo-se luz diante de Deus e dos outros. Este é o distintivo mais precioso do ser humano, sua essência original: o bom azeite que ilumina.

 

Em nossa identidade profunda, “somos luz”, afirmação que o evangelista Mateus põe na boca de Jesus: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). No entanto, com frequência desconhecemos essa realidade, desconectados dela e, como consequência, permanecemos na obscuridade da ignorância essencial, com a confusão e o sofrimento que isso traz. Nessas condições, faz-se vital esta questão: qual é o “azeite” que alimenta nossa luz e nos permite viver em conexão com ela?

A resposta só pode ser esta: a compreensão experiencial daquilo que somos. 

Para começar, a pessoa interessada pode verificar isso por si mesma a partir de um questionamento elementar: que é o que lhe traz serenidade, paz, plenitude, amor, vitalidade, criatividade…? De onde brota tudo isso e que se mantém mesmo em circunstâncias adversas? Ou, pode-se também fazer o mesmo questionamento sob outro ângulo: o que é que lhe altera, lhe fecha, lhe faz sofrer, lhe desconecta da vida…?

Em resumo: tudo se concentra no fato de vivermos ou não conectados ao que realmente somos. Essa compreensão experiencial é luz; sua carência é obscuridade.

O passo seguinte surge por si mesmo: como fazermos a provisão de “azeite”? Conectar-nos continuamente, de maneira consciente, com aquilo que somos, com aquilo que está mais além do corpo, da mente, do psiquismo, do ego, …

 

Nas dimensões mais profundas de nosso ser continuam existindo lugares onde a luz permanece brilhando e nos quais o azeite transborda. São esses lugares invisíveis que só percebemos quando vivemos a partir do coração. Tais lugares invisíveis coincidem com as dimensões sadias que nos habitam: sentimentos elevados, desejos nobres, pensamentos oblativos… São sadias porque a sensatez de seu candil vai nos indicando o valor das coisas pequenas que passam quase desapercebidas. São realidades pequenas (como o grão de mostarda, uma medida de fermento ou uma moeda perdida), mas carregadas de eternidade. Quando habitamos estes lugares, o tempo se faz mais denso e palpável, a sensibilidade se torna mais refinada, a visão se amplia e um sentimento de profunda gratidão nos invade. Não estamos nas montanhas inacessíveis ou nos desertos impossíveis; estamos no cotidiano luminoso que não percebemos devidos às pressas estressantes ou pelo esquecimento de buscar o perfeito que não existe. É questão de sensatez de vida. 

“Há dentro de nós uma chama sagrada coberta pelas cinzas do consumismo, da busca de bens materiais, de uma vida distraída das coisas essenciais. É preciso remover tais cinzas e despertar a chama sagrada. E então irradiaremos. Seremos como um Sol”. (L.Boff) 

 

No fundo, todos somos as dez jovens da parábola; todos vamos fazendo um caminho de aprendizagem para o amor. Mas, é preciso retomar a questão central: quem sou eu diante de Deus que vem, que está conduzindo minha vida? Tenho azeite o suficiente, sou portador da luz de Deus?

Esta é a esperança que Jesus alimentava: Ele queria constituir um povo de pessoas luminosas, uma cidade de pessoas transformadas em luz. Assim quer Jesus que seja sua Igreja: uma multidão de gente que ilumina de forma generosa, presenteando sua luz, gratuitamente, para que todos vejam e vivam em concórdia. 

Aqui não há luta da luz contra as trevas, mas iluminação de vida: que todos possam ver, porque a luz recebida é presenteada a todos. 

O ser humano é portador de uma luz que o transborda e que se expressa no seu corpo, nos seus gestos, nas suas ações solidárias e que são a verdadeira lâmpada de Deus no mundo. Um ser portador do melhor azeite e transparente: essa é a benção de Deus, o dom maior, a vida mesma feita luz e comunicação.

Somos “luz do mundo”, uma chama que nunca se apaga. Somos “sarça ardente” para os outros, consumindo-nos constantemente, na entrega e no serviço.

Somos uma lamparina humilde, brilhando na janela da nossa pobre casa, indicando aos outros o caminho da segurança e do aconchego.

 

Texto bíblicoMt 25,1-13

 

Na oração: Dentro de ti deves descobrir o azeite, pois teu interior   tem reservas deste precioso dom. Se acessas a ele, darás luz que iluminará teus passos. Essa chama, se é autêntica, não poderá ficar oculta, mas que iluminará também todos os outros. 

É preciso descobrir teu próprio azeite: é o que há de mais original e divino em teu coração. Ninguém pode emprestá-lo, porque é tua própria vida. Toda vida se move de dentro para fora.

Deixa-te iluminar, leve a Luz nas tuas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do teu cotidiano.

 

                                                                           Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

 

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