Centro Loyola de Fé

O AMOR E OUTRAS MANHAS DE DOMINGO

Eguimar Felício Chaveiro
[Doutor em Geografia Humana – Livre-docente da UFG/Universidade Federal de Goiás]

Eis o mundo. As guerras ateiam fogo em casas, corpos de pessoas civis, crianças e gente que roga pela vida, apenas isso; queimam hospitais, escolas, casas de cinema e de teatro. Destroem praças, jardins, pontes – e também usinas, reservatórios de gás, postos de combustíveis.

O pior: movimentam a chamada “economia de guerra”, agindo para que países hegemônicos da geopolítica mundial se enriqueçam mais e se tornem mais poderosos. O lema desses países é simples: as guerras importam! Enquanto cabeças rolam nas calçadas, braços são decepados, veias explodidas, cresce a motivação para a fabricação de mísseis inteligentes, de dispositivos químicos e bacteriológicos; de artefatos tecnológicos que priorizem essa triste prenda de todas as guerras: a morte. Satélites mapeiam com precisão os alvos; líderes
ocupam as TVs, os canais de Internet; os mecanismos de informação e promovem as estratégias ideológicas. Eles querem nos convencer que as guerras são justificadas, necessárias, urgentes até. Eu, você e todos, estamos em guerra, pois somos sujeitos cuja vida se organiza numa sociedade mundializada. Todas as guerras nos atingem de várias maneiras. Nos atingem pela pobreza moral que dissemina nesse período histórico; pelos estrategismos e golpes midiáticos que as justificam, fazendo boa parte de cristãos e muçulmanos aderirem a elas. As guerras nos atingem pela implicação na economia mundial, promovendo desempregos, destruição das forças produtivas, geralmente nos países pobres, e aumento do PIB (Produto Interno
Bruto) em países fabricantes de armas. Não resta dúvida, a violência tem um lugar positivo nas sociedades desiguais e opressoras. Esse é o grande problema, a violência faz parte dos mecanismos dessas sociedades. Entretanto, haveremos de enfrentar as guerras, todas as guerras… Eu as enfrento. Nos domingos, quando estou em Goiânia-Go, acordo cedo como de costume. Pego o carro e miro a estrada que me leva a Trindade-Go. Vou cheio de amor guardado nos cantinhos sublimes de minha intenção; vou doido para fazer o amor sair pela boca, pelos olhos, pelos gestos, pela voz. Vou como um romeiro que sabe que o milagre vai acontecer. E acontecerá! Entro na cidade sem
titubear. Chego à casa de Luzia Chaveiro. Antes de chegar, já havia chegado. De Luzia, eu saí para as procissões da aurora na Romaria do Divino Pai Eterno; para os livros e para os caderninhos; para as peladas de futebol; para os amigos e para os parentes. ……………

 

Para a cultura simples do Sertão, para as palavras e para os encontros… Para as salas de aulas e para a magnífica consciência de que nunca estarei pronto e, no caminho, em relações e tensões, diante de problemas e conquistas, vou escrevendo o meu nome. ……………

 

Vou à casa de Luzia Chaveiro aos domingos praticar amor – e vencer a guerra. Tudo é leve, macio, respeitoso. – “E aí, meu filho, como vai?” – diz Luzia. Ao dizer isso a manhã se abre. Descubro que as manhãs de domingo fazem parte do script. Sou o filho mais velho. Aliás, 4 (duas irmãs e dois irmãos) pereceram conforme o comum da estatística do Sertão goiano no tempo da troca simples. Meu pai também, muito novo, seguiu a estatística: morrera cedo de ataque
fulminante no coração. Fui o primeiro a vingar. Como se sabe, vingar não era fácil no período em que nasci. A mortalidade infantil, a Doença de Chagas, a pouca quantidade de hospitais e serviços médicos. A inexistência de água tratada, o trabalho duro na roça com enxada, machado e foice, a pouca circulação simbólica e de informações, a existência apenas de estradas vicinais de terras e de veículos rudes, geravam uma expectativa de vida no entorno de 50 anos. Contudo, havia dignidade, respeito ao Outro, solidariedade.

Pois, bem! Estamos eu, meu irmão e Luzia Chaveiro, exercendo amor, amor mesmo sem nicotina, sem agrotóxico, sem chantilly, sem desculpas, sem medo. Não estamos sós. Conosco, estão primos e primas amorosos, vizinhos e vizinhas trindadenses de 50 (cinquenta) anos; gente de nossa cumplicidade de memória – e de trajetória. São meus amigos e amigas que vêm junto, alguns deles até fizeram esquetes teatrais, cantaram músicas, rezaram para comemorar os 80 anos de Luzia com essa insígnia: EU SOU LUZIA! A jogada é bela, imensa. Indizível. Hoje, Luzia Chaveiro tem 86 anos. É inquieta, simples, risonha, trabalhadeira. Bordadeira. Ela motiva o meu amigo, José Henrique Rodrigues Stacciarini, a me chamar para uma consciência de amor. Diz ele ao referir-se à minha mãe: “você é privilegiado!” O meu amigo conhece bem Luzia Chaveiro. Ele sabe o que está falando. Ele fala da luta de amor de Luzia depois da morte de meu pai, quando eu tinha em torno de 18 e o meu irmão 16 anos.
Por essa luta discreta, chamo-a leoa amorosa. Netas e netos, amigos e
amigas, gente próxima em torno de Luzia, caso saibam de meu privilégio, vão me entender: a minha manhã de domingo não vence as guerras, as extermina. Se da minha presença não emanar paz, é erro, descuido, impropriedade. Aliás, com enorme manha, todas às vezes que vou ao almoço de domingo feito por Luzia Chaveiro, denominado pelo meu primo Donizette Soares de “almoço cultural”, lembro do que disse o psicanalista Jurandir Freire Costa. Diz ele que “uma gota de bondade vale mais que todas as maldades do mundo”. Vale mesmo!
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