Medo ou confiança: quem determina nossa vida? – 11º Domingo do Tempo Comum – 18.06.2023
“Não tenhais medo!” (Mt 10,31)
Uma das grandes insistências de Jesus no Evangelho é, sem dúvida, esta: “não tenhais medo!”
Jesus sempre se revelou um profundo conhecedor da condição humana; percebeu claramente que muitas pessoas eram marcadas por tremendos medos, impedindo-as viver com sentido e plenitude. Ele tinha plena consciência que os maiores medos eram alimentados pela religião, centrada nas leis, nos ritos, nas doutrinas… gerando sentimentos de culpa e angústia diante do futuro. Pior ainda, eram os controladores da religião que manipulavam os medos, tendo o controle sobre as pessoas e impondo a imagem de um Deus que ameaça e castiga. É o chamado “poder de consciência” exercido pelas autoridades religiosas que tem feito e continua fazendo tantos “estragos” nas consciências dos indivíduos.
Diante desta dura realidade, Jesus sempre procurou despertar a esperança nas pessoas, alimentando um clima de confiança no Pai e da busca de vida plena: “Vim para que todos tenham vida e vida em plenitude”.
Medo e confiança são duas emoções fortes presentes no desenvolvimento do ser humano; dependendo de como alimentamos uma ou outra, assim será nossa vida: carregada de medo (atrofia, paralisia existencial…) ou de confiança (criatividade, mobilização dos melhores recursos internos, busca, inspiração…)
O medo é o oposto da confiança. Os neurocientíficos confirmam que ambas as emoções usam as mesmas redes neuronais. Isso quer dizer que, alimentar o medo, consciente ou inconscientemente, significa solapar a possibilidade de confiar.
O medo nos incapacita para a confiança, que é a atitude humana sobre a qual se assenta o dom da fé; o medo seca as fontes da esperança, impedindo-nos viver com prazer e alegria.
Sabemos que o medo é uma emoção importante que nos permite detectar as ameaças e proteger-nos diante delas. Faz parte, portanto, de nosso equipamento biológico. Seu objetivo primeiro é defender-nos, seja fugindo, seja ativando energias para enfrentar a ameaça.
O problema surge quando a ameaça não é real, mas fabricada e alimentada por nossa mente, como consequência de medos “herdados” através de gerações, de experiências infantis mais ou menos traumáticas ou da ignorância de quem realmente somos.
O medo é um câncer que ameaça à fé, ao amor e à esperança de pessoas e instituições; ele corrói as fibras humanas, asfixia talentos, esvazia a vida e mata a criatividade.
O medo encolhe o ser humano, inibe a decisão e bloqueia os movimentos em direção ao “mais”.
A intensidade do medo pode anular a capacidade de reação das pessoas ou das instituições; ele impede o discernimento e a busca da solução mais inteligente para os problemas; longe de resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo.
O medo nos acovarda e nos constrange, nos isola e nos obriga a viver na defensiva, em permanente estado de alerta. O medo é paralisante; o medo nos impede ser nós mesmos; o medo nos acovarda diante daqueles que não pensam como nós; o medo impede afirmar nossa identidade de seguidores(as) de Jesus.
O medo nos mimetiza como alguns insetos que, diante do perigo, mudam de cor para não serem vistos e reconhecidos. O medo pode minar nossas esperanças, esvaziar a capacidade de amar, atrofiar a força de nossas ideias… Enfim, o medo obscurece o sentido e a direção da vida, tira o brilho tão próprio do amor, nos bloqueia e nos enterra na acomodação mesquinha.
O medo não só é explorado por empresas que se dedicam a todo tipo de seguros, mas também pelas religiões, que exploram seus seguidores vendendo-lhes o “paraíso”, depois de ter-lhes infundido um medo irracional ao sagrado. Somos bombardeados constantemente por uma “pastoral do medo”, que continua tendo uma influência nefasta.
Geralmente, os controladores das religiões tentam manipular a “divindade” para colocá-la a serviço de seus interesses egoístas. O medo induzido é o instrumento mais eficaz para dominar os outros. Historicamente, as autoridades religiosas utilizaram sempre desse expediente para conseguir a docilidade de seus súditos.
Evangelicamente falando, o medo é sinal de que ainda não entramos na dinâmica do Reino, no caminho de Jesus; o medo nos faz refugiar numa fé alienante, que não arrisca nada, que não se compromete com nada, que não vai mais além de nossa autorrealização narcisista, fechados numa prática devocional estéril.
Os medos não costumam apresentar-se de rosto descoberto; mascaram-se, porque são sintomas de debilidade; tornam-se vergonhosos para nós. Eles se disfarçam para se tornaram mais aceitáveis.
Existem muitos medos escondidos por trás das atitudes tirânicas de rigidez, de legalismo, de intransigência ou de intolerância. Recorremos a eles para ocultar-nos e defender-nos contra o novo e o diferente.
O Papa Francisco afirma que por detrás das atitudes intolerantes está o frio hálito do medo.
O medo empurra na direção dos individualismos, dos fanatismos e das soluções que contemplam simplesmente os próprios interesses.
O medo enche de sombras o horizonte, tornando impossível uma decisão clarividente e ordenada. O medo cega, agita a imaginação e precipita juízos e decisões, criando impedimentos sérios para a vivência da fraternidade e para a coragem de compreender a vida como doação de si para o bem dos outros.
Quem é capaz de sentir compaixão, bondade, mansidão…, não se deixa afeta pelo medo e nunca será fanático, nem intolerante, nem intransigente…
Frente a tais medos-fantasmas, criados e alimentados por uma mente temerosa e ignorante, a mensagem das pessoas sábias aparece marcada pela confiança. É o que percebemos em Jesus de Nazaré, quem, de maneira constante, insiste: “Não tenhais medo”! Confiai!
A confiança brota da compreensão, da certeza de que aquilo que somos se encontra sempre a salvo. Nas palavras do próprio Jesus: “podem matar o corpo, mas não podem matar a alma”.
A confiança não surge de um voluntarismo a toda prova, mas da experiência profunda de quem é Deus para nós. Aceitar e acolher nossas limitações e descobrir nossas verdadeiras possibilidades, é o único caminho para chegar à total confiança.
Confiar em Deus é confiar em nosso próprio ser, na vida, naquilo que somos de verdade. Não se trata de confiar em um ser que está fora de nós e que pode nos dar, a partir de fora, aquilo que nós desejamos. Trata-se de descobrir que Deus é o fundamento de nosso próprio ser e que podemos estar tão seguros de nós mesmos como Deus está seguro de si.
Por maior que seja o motivo para temer, sempre será maior o motivo para confiar. Confiar em Deus é acolher nossa realidade, rica e pobre, iluminada pela Sua presença. Confiar em Deus não é esperar sua intervenção a partir de fora para que retifique a criação. É entrar na dinâmica da criação e não a violentar.
É deixar-nos conduzir pela energia da vida que sabe perfeitamente onde tem de nos levar. É deixar que a vida flua pelos canais que nosso Criador nos proporcionou: presença solidária, compaixão, amor, alegria, abertura ao novo, espírito de busca…
Texto bíblico: Mt 10,26-33
Na oração: Redenção é libertação do medo. É preciso olhar para o alto, encher os pulmões, erguer a cabeça, abrir o sorriso, e dar boas-vindas à vida; é ativar a força do destemor e a alegria da coragem.
É este o significado da redenção: a capacidade de ter confiança em Deus e, como consequência, nas pessoas e em toda a criação, para trabalhar em liberdade e viver com alegria.
– No dia a dia, você alimenta mais o medo ou a confiança?
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ