Centro Loyola de Fé

Maria é “Imaculada” porque “mestiçou” Deus. (08/12/2024 – Imaculada Conceição de Nossa Senhora)

“O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”  (Lc 1,35)

O que estamos celebrando nesta festa de Maria Imaculada nos indica o ponto de partida de nossa trajetória que, ao mesmo tempo, é também o ponto de chegada. Se descobrimos em cada um de nós o que estamos celebrando em Maria, nos despertamos para o sentido profundo desta festa.

Em Maria descobrimos a verdadeira vocação de todo ser humano. Ser como Maria não é só a meta da vida cristã, senão que partimos da mesma realidade da qual ela partiu.

O que dizemos de Maria é o que também devemos descobrir em cada um de nós

    1. Paulo nos diz: “Deus nos elegeu antes da criação do mundo, em Cristo Jesus para que fôssemos santos e imaculados, diante d’Ele no amor” (Ef 1,4). Nada parecido se diz de Maria em todo o NT e, no entanto, a chamamos “Imaculada”.

O decisivo é que em Maria e em todo ser humano, há um núcleo intocável que nada nem ninguém poderá manchar. O que há de divino em nós será sempre imaculado. Tomar consciência desta realidade é o começo de uma nova maneira de compreender a nós mesmos e de compreender os outros.

Podemos dizer que Maria é Imaculada porque viveu essa realidade de Deus nela. Não devemos nos conformar em contemplar Maria para permanecermos extasiados diante de tanta beleza. Se descobrimos nela toda essa sublime beleza, é porque podemos imaginá-la graças à revelação do que Deus “é” em nós.

Maria não é a exceção, mas a norma. O dogma da Imaculada Conceição nos motiva a fazer outra leitura, carregada de conteúdo e de sentido: em Maria se afirma o que é válido para todos nós. Na nossa essência somos inocência, porque somos Vida. Mesmo na fragilidade, naquilo que nos fere, naquilo que sabemos e não sabemos, somos chamados a deixar que a vida passe, que a vida entre, que a vida nos fale.

Tudo o que temos de Deus, já o temos desde sempre. Nossa plenitude em Deus é de nascimento, é nossa denominação de origem, não uma elaboração acrescentada através de nossa existência. O que há em nós de divino, não é consequência de um esforço pessoal, mas a causa de tudo o que podemos chegar a ser. Daí que, quando um cristão celebra a Maria Imaculada, nela se vê refletido, junto com todos os seres.

Por isso, dizemos que Maria é Imaculada por nós, para nosso próprio bem e salvação, a fim de que possamos superar o que em nós é “maculado” (ego inflado e prepotente) e deixemos de manifestar esta “mácula” no conflito e no ódio frente aos outros. Assim, ela nos revela, com sua própria abertura ao divino, que é possível viver em liberdade, na transparência e pureza, acolhendo os outros, a serviço da comunhão e da vida.

No relato da Anunciação, mistério indicado para a festa deste dia, a primeira coisa que Maria nos ensina é a hospitalidade para com a Vida. Maria é Imaculada por ser sinal de amor.

Uma mulher “imaculada” fechada em seu isolamento, em meio aos dramas da humanidade, que vive só para si, centrada em um Deus intimista, enquanto o mundo continua padecendo, não seria o que o dogma católico confessa ao chamar Maria de “Imaculada”, ou seja, cheia de Deus, amiga de Deus, fazendo-se amiga de todas as pessoas. Ela expressou sua vida a serviço de todos; é pessoa para a liberdade e redenção de todos.

Maria vive numa “porosidade”, ou seja, deixa-se visitar, é hospitaleira, acolhe o “novo”. Mantém no coração e na vida as portas abertas. Um anjo só nos visita quando temos o coração desarmado, quando estamos disponíveis para acolher o inesperado, para receber a fantástica e inédita ação direta de Deus.  Deus continua suscitando pessoas parecidas a Maria através das quais seu Projeto continua entrando em nosso mundo, sobretudo nas situações mais desfavorecidas de nossa humanidade. Podemos fazer memória de nomes de pessoas conhecidas em muitos casos; mas, por que não pensar que também nós poderíamos ser o prolongamento da generosidade de Maria?

A doutrina cristã afirma que na Encarnação de Jesus Cristo a natureza humana foi assumida, não aniquilada, não violentada e nem usada como roupagem para sua visibilidade. Se a natureza humana, na sua integridade, foi assumida pelo Verbo da Vida, é porque ela, em sua naturalidade, é marcada pela bondade.

Eis porque a Encarnação de Deus em Jesus Cristo outra coisa não é senão um caso singular do amor de Deus para com a humanidade e da inquieta busca humana pelo infinito. Como liberdades que se amam, Deus é o mais secreto íntimo do ser humano, assim como cada ser humano é transparência do Deus mesmo.

Por isso, “pensar pouco do ser humano é pensar pouco de Deus”.

Maria revela o “humano” em sua própria realidade; ela é o que de mais nobre a humanidade poderia oferecer a Deus. A pessoa de Maria é a expressão máxima da humanidade; nela, a humanidade chega à sua plenitude; nela, se manifesta o excesso do humano. Por isso, em cada ser humano se revela algo de Ma- ria, pois ela realizou todas as possibilidades da humanidade. Ela deixou “Deus ser Deus” no excesso de sua humanidade. Nela Deus se humaniza, se “mestiça”, se “mistura” com o humano. 

Esta é a coluna mestra do dogma da Imaculada: se Deus se fez Homem é porque há em Deus algo de humano e se o ser homem pode ser assumido por Deus, em sua Encarnação, é porque há, no ser humano, uma capacidade para Deus.

O cristianismo, em sua essência, nos assegura que a Encarnação não é apenas a máxima revelação do Deus que se “humaniza”, mas igualmente o desvelamento do ser humano, divinizando-o.

Assim, Maria é, no mundo e sobre a terra, a resposta às nossas buscas: “dentro da condição humana, já estamos em Deus, quando somos homens e mulheres … verdadeiramente”.

Maria, em sua maternidade “mestiçou Deus”: assim afirma o Papa Francisco; no seu ventre acontece a fusão do divino com o humano; o seu ventre “misturou” o divino e o humano.

“E o terceiro adjetivo que eu lhe diria, fitando-a, é que Ela quis ser mestiça, mestiçou-se. E não só com Juan Dieguito, mas também com o povo. Ela mestiçou-se para ser a Mãe de todos, mestiçou-se com a humanidade. Por quê? Porque ela mestiçou Deus. E este é o grande mistério: Maria, Mãe, mestiçou Deus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, no seu Filho” (Homilia sobre N. Senhora de Guadalupe) Aquele que é a Vida, e por quem foram feitas todas as coisas, pede o consentimento da virgem de Nazaré para assumir a vida humana no seu seio virginal. Para que sejam cumpridas, para que o Salvador entre na nossa história, só falta o Sim de Maria. Deus nunca força a liberdade. Nem mesmo nos momentos em que está em jogo o futuro da humanidade.

Primeiro uma pergunta necessária e um esclarecimento rápido. E depois o “sim”.

Nada de condições, nada de garantias, nada de averiguações. Venha o que vier. Abertura total e entrega definitiva. Será dor e será alegria, será morte e será ressurreição, será esperar e será acolher.

Tudo virá a seu tempo e à sua maneira, porque a porta está aberta, o coração está entregue e os céus esperam.

Essa é a resposta que Deus aprecia, é a disposição que espera para lançar seus projetos.

A Deus não agrada condições, dúvidas, demoras, regateios…

Espera um “sim” claro, definitivo e permanente. Então Ele entra em ação com toda a força de sua Graça, o poder de sua glória e os planos de sua eternidade. E consuma-se a Redenção.

O anjo permanece na presença de Maria até que ela diz a última palavra. Seu consentimento encerra o diálogo. O anjo retira-se em silêncio. É a hora da ação silenciosa de Deus.

Assim, para os antigos Padres da Igreja, Maria é o sim original. E este sim é mais profundo que todos os nossos nãos. Um “sim” claro e sonoro ao chamado que ela sentiu com força e aceitou com entusiasmo.

Um sim” que ressoa, enche a pequena casa em Nazaré e tem alcance universal.

Não houve programa maior nem empreendimento mais atrevido que o proposto em bre-ves palavras pelo anjo e a resposta ousada da Virgem.

Texto bíblicoLc 1,26-38

 

Na oração: O Deus que nos criou sem pedir o  nosso consentimento, nunca nos impõe missão alguma sem o nosso sim. Ele suscita nossos desejos, atrai, convida, mas respeita sempre nossa liberdade. Nossos “sins” serão tanto mais livres e fecundos, quanto mais unidos estivermos com Deus, quanto mais confiarmos na sua graça; mas eles têm de ser assumidos por nós.

– Fazer memória dos “sins” oblativos que deram um novo sentido à sua vida.

 

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