Centro Loyola de Fé

Mais coração nas mãos – 27 de janeiro de 2019

 “Para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19)

O Espírito conduziu Jesus para a experiência do deserto; agora, o mesmo Espírito do Deus do Reino impele Jesus para o deserto da existência humana, ou seja, ser presença inspiradora e comprometida em favor dos últimos, dos mais pobres, dos excluídos e marginalizada da sociedade. Os primeiros a experimentarem essa vida mais digna e livre que Deus quer para todos são justamente aqueles para os quais a vida não é vida.
Podemos, então, dizer que a primazia dos últimos inspirou sempre a atividade de Jesus a serviço do reino de Deus. Para Ele, os últimos são os primeiros. Ser compassivo como o Pai exige buscar a justiça de Deus começando pelos últimos.
Lucas captou isso muito bem quando apresenta Jesus na sinagoga de Nazaré, aplicando-se a si mesmo as palavras do profeta Isaías (62,1-2). Aqui Jesus apresenta seu “projeto com vida”, ou seja, começar sua missão resgatando a vida dos últimos, para torná-la mais sadia, mais digna e mais humana.
Fala-se aqui de quatro grupos de pessoas: os “pobres”, os “cativos”, os “cegos” e os “oprimidos”. Eles resumem e representam a primeira preocupação de Jesus: aqueles que Ele carrega no mais profundo de seu coração de Profeta do Reino. Ele quer deixar claro que os últimos são os prediletos de Deus.

O Deus de Jesus não é o aliado de uns poucos, nem é o Deus dos piedosos, dos poderosos e dos sábios. É, sobretudo, o Deus dos marginalizados, dos excluídos, dos enfermos e pecadores. O caminho para um mundo mais digno e ditoso para todos começa a ser construído a partir deles. Esta primazia é absoluta; é Deus que quer assim. Não deve ser menosprezada por nenhuma política, ideologia ou religião.
Só estaremos em sintonia com o coração do Deus de Jesus se estivermos com “o coração nas mãos”, comprometidos com a causa da “massa sobrante” (D. Luciano). Caso contrário, estaremos nos relacionando com um ídolo. Uma religião, conivente com qualquer tipo de exclusão e violência, é idolátrica.
Não podemos esquecer esta verdade: a “opção pelos pobres e contra a pobreza”, tal como aparece no evangelho, não é uma questão ideológica, filantrópica ou político-partidária, nem uma moda posta em circulação depois do Vaticano II e Medellín. É a opção do Espírito de Deus e que anima a vida inteira de Jesus na busca do Reino e sua justiça. Deus não pode reinar no mundo sem fazer justiça aos últimos.
Esta afirmação traz consigo o seguinte: o amor aos pobres e contra a pobreza é dom de Deus.
O amor aos empobrecidos nasce do encontro vivo e existencial com o Senhor Jesus, que rico se fez pobre (2Cor. 8,9). Deus ama os pobres simplesmente porque eles são pobres, “porque assim é do seu agrado” (Mt. 11,25). E os pobres, os preferidos de Deus, são empobrecidos efetivos, reais e concretos, vítimas de estruturas sociais e políticas injustas. Ou seja, a opção de Deus pelos pobres é absolutamente gratuita. Também a nossa opção, que é uma resposta à interpelação do rosto do empobrecido, nasce da absoluta gratuidade de Deus e é chamada a manifestar esta gratuidade.

Como cristãos, somos seguidores (as) de uma pessoa e não de uma religião, de uma doutrina, de uma moral. O seguimento de Jesus, escola de liberdade cristã, dá ao amor preferencial pelos pobres, por todos os pobres, a verdadeira dimensão e o verdadeiro sentido da nossa existência cristã; sem esse amor pelos pobres caímos numa prática religiosa estéril, desprovida de humanização.
A opção pelos empobrecidos não significa assumir o lugar deles; trata-se de devolver a eles o protagonismo de sua história e a autonomia de seu destino.
O envolvimento com o “outro” (excluído, pobre, marginalizado…) nos conduz à autenticidade, à libertação de apegos e avareza, à liberdade para partilhar e receber e a uma imensa felicidade.
O encontro com o “outro” marginalizado dá um toque especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação mais radical – mais enraizada em si mesma e vai mais a fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-nos do empobrecido e deixar-nos “afetar” pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade.
Suas “fraquezas” suscitam em nós o melhor de nós mesmos e, ao nos envolver afetivamente em sua vida, fazem com que vivamos um misto de ternura e indignação, a que chamamos compaixão.

Na experiência de “convivência” com os empobrecidos adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade… Eles têm um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.
“Nosso compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres” (S. Inácio).

Na medida em que o (a) seguidor (a) de Jesus se vê interpelado pelo rosto do empobrecido e age, esta sua ação revela a compaixão de Deus. A nossa ação deve fazer resplandecer a compaixão de Deus pelos últimos e excluídos.
Quem é possuído pela ágape de Deus é sensível e comprometido com o mundo dos empobrecidos.
O amor preferencial pelos empobrecidos é divino, antes de ser humano. E o ser humano só pode assumi-lo como seu porque antes o contemplou na prática salvadora e amorosa de Jesus Cristo, e porque este amor foi por Deus colocado no mais profundo do seu coração.
Nos Evangelhos, Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição divina, se encarna, se esvazia e assume o lugar dos últimos. O seguimento de Jesus pobre é a única via de acesso ao mistério glorioso do amor de Deus. A opção pelos pobres e contra a pobreza, tal como aparece na Igreja latino-americana é, portanto, uma opção de amor.

Seguir Jesus hoje é prolongar, criativamente, a sua presença e o seu compromisso junto aos mais incluídos, vítimas da ganância humana. Somos, portanto, chamados construir uma “cultura da solidariedade e partilha”. Significa viver de modo que a solidariedade constitua um pilar em nosso projeto de vida.
A solidariedade implica encontrar-se com o “mundo do sofrimento, da injustiça, da fome… e não ficar indiferente”. A solidariedade, que nasce da compaixão, leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.
Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele… Importa, pois, redescobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida, frente a um contexto social e político que alimenta o que é mais funesto no ser humano: o impulso da violência covarde que se visibiliza na “posse de armas”.

Texto bíblico: Lc 4,14-21

Na oração: A experiência de encontro com Jesus na sinagoga de Nazaré desperta em nós a compaixão para com o outro que é excluído, marginalizado, pobre… Somos chamados a viver a solidariedade como um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus.
– Frente ao mundo dos empobrecidos, sua vida transborda compaixão, compromisso, acolhida… ou, indiferença, preconceito, julgamento…?

Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

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