Centro Loyola de Fé

“Lei do menor esforço”: uma receita para ser infeliz

Em ambientes acadêmicos é frequente ouvirmos dos jovens discentes que (algumas ou várias) disciplinas são “chatas”. Elas não despertam neles o interesse, não os provoca positivamente a ponto de se envolverem efetiva e afetivamente com o conteúdo abordado. Para muitos deles o que mais importa é, ao final do curso, “passar na prova”. A tão conhecida expressão “estudar para passar na prova” – que para muitos só tem lugar na véspera da prova! – já anuncia o tamanho do desastre social!

Com efeito, o decorar as respostas não significa que se tenha entendido as perguntas. Decorar um caminho a fazer para se chegar a um determinado lugar não significa ter percebido que importância tem ou teria o trajeto a se fazer para chegar a tal lugar, nem se é este o melhor caminho que se deveria tomar. Depois que surgiu o GPS (Global Positioning System), por exemplo, não nos preocupamos mais com o trajeto a fazer para chegarmos a um destino determinado. Apenas digitamos ou ditamos o endereço do destino a chegar e o aparelho traça para nós a rota a seguir. Seguimos, então, despreocupadamente, as orientações do GPS sem ter que prestar muita atenção ao caminho propriamente dito. O importante é chegar ao destino. O “por onde” estamos sendo conduzidos para lá chegar não interessa muito; basta, muitas vezes, que seja o caminho mais rápido.

Se houvesse à venda um “GPS acadêmico” que ao colocarmos nele o endereço do destino final almejado, a saber, “passar na prova” e concluir o curso para receber o diploma, certamente muita gente entraria na fila para adquiri-lo, afinal isso as pouparia de numerosos esforços constitutivos do árduo processo de bem formar-se. Se podemos obter um diploma facilmente, por que vamos nos dedicar tanto para obtê-lo do modo mais difícil ou mais sofrido?

A famosa “lei do menor esforço” é uma tentação constante. Para que perder tempo em aprender a fazer cálculos de multiplicações, divisões, frações, raiz quadrada, etc., se a calculadora eletrônica, hoje à disposição até no aparelho celular, nos apresenta quase instantaneamente o resultado do cálculo? Para que aprender sobre as propriedades químicas das plantas medicinais, se para cada sintoma e enfermidade já existem numerosos medicamentos à venda nas farmácias? Por que se esforçar para escrever bem, se o programa do computador não só corrige os erros ortográficos e de concordância, como também nos poupa até da digitação? Para que ler um livro de literatura ou de filosofia, se sobre ele há áudio books, resumos e vídeos em abundância no YouTube? Para que aprender a elaborar uma boa redação, se basta apenas falar/digitar o título do assunto em questão no chat.openai.com (inteligência artificial)? Por que gastar energias pensando na vida que vale a pena ser vivida, se há milhares de receitas prontas de como ser ou viver feliz, circulando por aí nas redes sociais e nas livrarias de aeroportos?

Se houve um tempo em que a informação era escassa, as calculadoras eram raras, os livros eram de difícil acesso, os medicamentos eram “caseiros”, o escrever era uma verdadeira arte, e o dar conselhos para a vida era algo esperado da parte de gente “mais vivida”, dos anciãos, esse tempo parece ter chegado ao fim!

Atualmente as informações são tão abundantes que a dificuldade consiste em selecioná-las segundo o grau de verdade que elas pretendem transmitir. Os medicamentos são tantos, que a dificuldade agora consiste em saber qual deles têm efeitos mais saudáveis para a vida do paciente para além de sua imediata utilização no tratamento de uma enfermidade específica. Além disso, há muitos supostos especialistas em saúde oferecendo receitas e tratamentos miraculosos para a cura de todo tipo de enfermidade. Não por último, também nas redes sociais, há numerosos adolescentes, com milhões de seguidores, dando conselhos às pessoas sobre a vida, sobre relações afetivas, sobre sucesso profissional!

Retomando nosso ponto inicial, o do processo acadêmico formativo frente à enxurrada de informações, a adoção da lei do menor esforço pode ser muito maléfica. Ela trará como resultado conhecimentos atrofiados, superficialidade intelectual, incapacidade profissional, apatia e dependência. É certo que grande parte da população mundial já não consegue mais ver como seria sua vida sem um aparelho de celular ou sem internet. E, no entanto, somente um número ínfimo delas realmente conhece o processo de fabricação e o mecanismo interno de funcionamento do aparelho e da internet! O usuário/consumidor é muito mais passivo e dependente do que está disposto a admitir! O que se poderia fazer?

Se me fascina resolver um problema matemático, por que me contentaria simplesmente com sua resposta final me dada por uma calculadora? Se tenho prazer em dirigir e apreciar as diferentes paisagens ao longo do caminho, por que deveria ficar tão contente simplesmente porque o GPS me oferece uma rota para seguir? Se encontro prazer em cuidar dos outros, de buscar melhorar as condições de saúde minha e das pessoas, por que me contentaria tão somente com o ter obtido um diploma de enfermagem ou de medicina? Se encontro alegria em escrever, buscando a beleza da etimologia das palavras, narrando ou argumentando logicamente, por que me contentaria em receber um texto pronto elaborado por um outro ou fabricado por uma inteligência artificial que, como tal, me é estranha? Se gosto de ler livros de literatura ou de filosofia, por que me contentaria com meros resumos conclusivos feitos por outras pessoas cuja competência literário-filosófica me é duvidosa?

Desde aí podemos continuar com os exemplos. Que grande alegria real pode ter aquele que sem esforço próprio recebe um diploma de formado em engenharia civil, se concretamente não sabe construir uma simples cabana? Que contentamento haveria em receber um diploma de mecânica automotiva, se o “diplomado” não sabe concertar uma simples torneira pingando? Ou de químico, se desconhece a tabela periódica dos elementos químicos? Ou de matemático, se não sabe como resolver uma simples equação de regra de três simples? Ou de filosofia, se seu amor à sabedoria não vai além de repetir fragmentos soltos encontrados nas obras dos filósofos? De teologia cristã, se desconhece a pessoa de Jesus Cristo e os Evangelhos? Como se vê, adotar a lei do menor esforço nos torna pessoas profissionalmente incompetentes e existencialmente superficiais!

Creio que precisamos deslocar o foco exclusivo que estamos dando à meta/destino e nos concentrarmos mais na beleza do caminho/processo. Se a alegria, realização pessoal, felicidade estiverem somente na meta, no fim, teremos tudo para sermos muito infelizes na vida. Contrariamente ao que se pensa, chegar à meta sem ter percorrido o caminho não traz vigor, resistência, amadurecimento, realização pessoal e profissional a ninguém.

Jesus de Nazaré, em uma de suas parábolas, compara a lei do menor esforço com a atitude de enterrar o talento, afinal é muito mais fácil enterrar o talento do que com esforço próprio fazê-lo multiplicar (Mt 25, 14-30). Aquele que enterrou o seu talento devolveu àquele que lho havia confiado exatamente o mesmo que havia recebido. Em princípio, não havia cometido nenhuma injustiça. No entanto, foi condenado por sua preguiça! A lei do menor esforço costuma vir de mãos dadas com a preguiça. O preguiçoso busca se justificar pelo seu medo de arriscar, de se comprometer e de ser responsável pelas consequências de suas próprias iniciativas.

Derivada da lei do menor esforço, a preguiça intelectual está muito presente nos ambientes acadêmicos. O discente preguiçoso se contenta com o “passar na prova”; está sempre indisposto a se envolver efetiva e afetivamente naquelas atividades que envolvem trabalho duro, dedicação assídua, esforço intelectual, leitura atenta, concentração, pesquisa e redação. O docente preguiçoso, por sua vez, está sempre indisposto a concentrar maiores esforços efetiva e afetivamente no método, ou seja, no processo dinâmico de ensinar e também de aprender com os discentes; ele se dá por contente quando “passa o conteúdo” aos discentes e quando estes “passam na prova”!

O “passar na prova” pode ser sinônimo de um resultado positivo do processo ensino/aprendizagem, mas pode também ser sinônimo da adoção da lei do menor esforço e, assim, da manutenção recíproca da preguiça que fará de ambos, discente e docente, pessoas superficiais, apáticas, acríticas, medíocres e, no final das contas, infelizes.

 Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

 

 

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