Conversão a Deus: uma peregrinação interior
“Lendo-os muitas vezes, algum tanto se ia afeiçoando ao que ali encontrava escrito. Mas, parando de os ler, algumas vezes ficava a pensar nas coisas que tinha lido, e outras vezes pensava nas coisas do mundo nas quais costumava pensar antes”. (Autobiografia, n.6)
(Escrito por Igor Cristiano Oliveira Nascimento, SJ)
A vida de Santo Inácio de Loyola é marcada por aventuras e desejos. Sendo Inácio um jovem cheio de vaidades, um soldado ambicioso e corajoso, seu maior desejo é conquistar, ser vencedor em qualquer luta que se propusesse. Após participar da guerra em Pamplona, Inácio foi atingido por estilhaços de bala de canhão deixando feridas profundas em suas pernas. O jovem Iñigo ficará muitos dias num estado de convalescença que resultará num processo de inquietações das moções interiores. Um caminho de transformação começa acontecer no mais profundo íntimo do cavaleiro. Do homem dado as aspirações mundanas, Inácio agora passa a sentir que está entrando numa aventura espiritual. Novos desejos vão surgindo a partir das leituras dos livros Vita Christi e uma obra clássica que contava da vida dos santos.
A história da vida dos santos levou Inácio a olhar para si mesmo e se questionar sobre o que realmente vale a pena gastar a vida, ou seja, a se perguntar no que de fato tem sentido para sua existência. Por ser um homem orgulhoso e ambicioso, chama-lhe atenção o heroísmo dos santos. Sua inquietação primária é movida por um desejo superficial, de querer ser como os santos ou fazer coisas maiores que eles. Como Inácio, descobrimos que nossa vida é um processo de amadurecimento contínuo. Ele irá captar depois que a conversão espiritual deve ser uma conversão autêntica do que se é e não do que podemos nos tornar. Deus realiza seu projeto de salvação em nós quando somos capazes de acolher nossas vulnerabilidades e fragilidades. É preciso reconhecer que somos seres inacabados e estamos em construção. É preciso dá espaço para que Deus trabalhe em nossa humanidade.
A peregrinação espiritual que Inácio começara iniciar durante seu processo de convalescença, impulsionou a reorientar seus desejos para um bem maior, ser hábil a contemplar seu mundo interior e mudar de rota, por sentir que o que não dá sentido à sua vida conduziria a um vazio existencial. Em um curto processo de discernimento, como homem sábio e dócil que era ele foi capaz de perceber as fortes variações em seus pensamentos: “algumas vezes ficava a pensar nas coisas que tinha lido, e outras vezes pensava nas coisas do mundo nas quais costumava pensar antes”. (Autobiografia, n. 6).
Um olhar para si mesmo
Como seres humanos capazes de transcendência, nossa vida também é conduzida por muitos desejos e sonhos, porém também habita em nós a sede e a carência.
Assim como Inácio, há em cada um de nós a incompletude, uma parte que sempre está nos faltando. O desafio é sermos capazes de interpretar a sede mais profunda que habita a nossa interioridade e sabermos para onde ela nos conduz. Quando Inácio percebeu que havia uma parte do seu mundo interior incompleto, sua primeira atitude foi tentar entender para onde seus desejos mais profundos os conduziria.
Quem é capaz de examinar-se diariamente não cai na tentação de uma vida medíocre. Neste sentido Santo Inácio propõe que façamos o exame de consciência com o objetivo de sermos capazes de olhar com honestidade para nosso ser. Quem não é hábil a se indagar sobre seu modo de viver, será conduzido por qualquer proposta vã, resultando numa existência infrutífera e infecunda. Portanto, examinar a própria vida consiste numa característica de quem se tornou sábio e perspicaz a tomar decisões, fazer discernimento.
Como discípulo de Jesus somos chamados a percorrer um caminho, somos peregrinos na estrada. Nossa peregrinação humana e espiritual deve nos levar a buscar sempre a “Maior Glória de Deus”. Por mais que em algum momento de nossa vida fomos feridos ou estejamos feridos, Santo Inácio nos ajuda a compreender que as nossas feridas podem se tornar potencialidades para um bem maior, que é sempre maior do que nosso auto centramento narcísico.
A sociedade moderna nos mantém informações tecnológicas, consumismo desenfreado, o insaciável desejo de querer possuir tudo, reter bens materiais, mas é que, na verdade estamos vazios. As nossas sedes interiores que compensamos com todas essas coisas elencadas é de certa maneira uma sede espiritual, desejo do infinito, do absoluto que nos habita. Por isso é importante reorientar nossos desejos, como dizia Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!”. É olhando para nossa interioridade oca que descobrimos o manancial, a fonte de Deus em nós. É no silêncio orante que aprendemos a conhecer nossos desejos e os desejos de Deus para nós. Não tenhamos medo de iniciarmos essa peregrinação humana e espiritual!
As perguntas mais pertinentes a serem feitas sempre em nossa vida são: o que cultivo no meu mundo interior? Sou movido(a), por quais desejos? Para onde meus desejos me conduzem? Qual o sentido profundo da minha vida?
Texto Bíblico Mt 13, 44-48