COM SUAS MÃOS, JESUS TECE SEU DIZER E SEU FAZER (14/02/2021)
COM SUAS MÃOS, JESUS TECE SEU DIZER E SEU FAZER
“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão e tocou nele…” (Mc 1,41)
O caminhar de Jesus pela Galiléia gera situações de alívio; sua missão é aliviar o sofrimento da humanidade. Pelos caminhos, Jesus se encontra com as pessoas “des-locadas”, sem lugar e fora do convívio social. A par-tir do “Deus vivo” Jesus se move em direção àqueles que estavam sobrando; sua presença entre os excluídos é portadora de vida. Olhando-as nos olhos e acolhendo-as com suas mãos, Ele se deixa afetar por eles.
Jesus não se esquiva da dor, da solidão e da morte; encara-as, toca-as, revela as entranhas compassivas de Deus onde a lei vê impureza, ativa a compaixão do Pai nas entranhas das pessoas indefesas e estas encontram e recuperam sua fortaleza, sua dignidade de ser humano.
Assim procede Jesus; suas mãos deixam transparecer um coração compassivo, solidário e comprometido.
Muitas vezes, Ele cura os doentes através do toque, da imposição das mãos, da bênção…
O evangelho está cheio de momentos nos quais as pessoas querem tocar em Jesus, mesmo que fosse a franja de suas vestes; em outras circunstâncias, é o próprio Jesus que rompe os “protocolos sanitários” e toca os doentes, leprosos… correndo o risco de se contaminar.
Um leproso tinha, no contexto daquela época, a obrigação de viver separado, fora das povoações e distan-ciado da família, para evitar o risco da contaminação. E tinha o dever de gritar aos outros, prevenindo-os para que não se aproximassem. No relato deste domingo, porém, o leproso quebra o protocolo e vem ao encontro de Jesus. E faz isso, certamente, porque pressentia no profeta de Nazaré a abertura para tal.
Ora, Jesus não fica apenas na palavra: “quero”. Estende também sua mão, tocando o leproso. Podia simples-mente mandá-lo lavar-se setes vezes nas águas do rio Jordão, como o profeta do AT (2Rs 5,10); mas Ele prefere incorrer no perigo da contaminação, desejando tocar a ferida do outro, querendo compartilhar, como só o toque pode revelar, aquele sofrimento, ajudando o leproso a vencer o ostracismo interiorizado por aquela separação forçada.
Jesus não pensa nas severas restrições da Lei, mas deixa aflorar a compaixão, aquele sentimento divino que Ele encarna e torna visível. É a compaixão que o leva a quebrar o distanciamento social e compromete-se. Quando as mãos estão carregadas de compaixão, elas se tornam oblativas, abertas, servidoras… A com-paixão é o sentimento que faz a conexão das mãos com o coração. Ter compaixão é ter coração nas mãos.
Tocar é algo mais que uma simples experiência psicológica; tocar é sentir que uma corrente de vida passa de um para outro. O leproso é tocado no sentido de encontrado, assumido, aceito, reconhecido, resgatado, abraçado. Quando toda a distância é vencida, o toque de Jesus reconstrói a humanidade ferida. Ou seja, a pessoa se sente reconstruída em sua integridade; a acolhida incondicional e o reconhecimento que Jesus lhe confere, fazem o leproso recuperar a confiança em si mesmo, abrindo-lhe um horizonte de esperança.
Sabemos que um doente, quando tocado de forma respeitosa e não invasiva, recebe estímulos de huma-nidade, de autoestima e confiança que facilitam o curso da sua recuperação. Um profissional de saúde deve saber que, por vezes, um simples toque ajuda a amenizar a perturbação, tranquiliza sentimentos agitados e transmite um conforto que nenhuma máquina ou medicamento transmite.
A imposição das mãos também está sendo redescoberta em seu significado sanador. Ao impor as mãos em outra pessoa, o Espirito curador de Deus inunda-a, invade suas áreas de tensão, suas paralisias, seu caos interior.
“Tocar” é uma experiência especial; o tato é o mais visceral, originário e delicado dos sentidos; e a sensação de tocar e ser tocado é primária; basta ver como os bebês querem tocar em tudo e se acalmam quando se sentem tocados.
O toque é primordial na comunicação mútua. A chamada “fome da pele” é experiência reconhecida na vida humana. O mais leve toque pode despertar emoções, expressar calor humano que não se consegue com palavras. Reduzir os sentimentos a meras palavras cessa qualquer mensagem do coração.
O toque alivia a dor, a depressão, a ansiedade; o toque afetuoso dá segurança, faz a pessoa sentir melhor consigo mesma e com o seu ambiente; seu efeito é positivo sobre o desenvolvimento humano, provoca mudanças naquele que toca e é tocado.
É fácil dizer que na vida é preciso andar “com tato”. É verdade que com o corpo e com as mãos, expressa-mos ternura, abertura, proteção, acolhida, vinculação… O amor também é físico. E hoje, quando há muito contato físico sem amor, ou muitos contatos sem entrega, é necessário sentir essa unidade.
O amor toca, e assim se expressa, de muitos modos, a relação mais profunda, mais intensa e estável. O amor, atento ao outro, se expressa fisicamente de mil maneiras.
O coração é o lugar onde o ser humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão… se expressa através das mãos ternas, bondo-sas, compassivas, que praticam a partilha… Um coração cheio de violência, arrogância, ambições, malícias… se expressa através de mãos violentas, maliciosas, fechadas… As mãos… o espelho da alma.
É o coração transformado que dirige a mão santificada, delicada. É o coração agradecido que transforma as mãos em instrumentos de graça.
As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de expressões (mãos estendidas, enérgicas, punho fecha-do, mãos abertas, governar com mão de ferro”, “bordar com mão de fada”, “escrever com mão de mestre”, “abrir mão de algum direito”, “dar uma mão a alguém”, “estar de mãos atadas diante de um problema”, “lançar mão de um estratagema”, “estender a mão para alguém”, “pedir a mão da moça em casamento”, “pôr mãos à obra”, “estar nas mãos de alguém”, “impor as mãos”…
Observando estas expressões, encontramos a “mão” como metáfora para a “força, energia, domínio”.
A aplicação figurada provém do fato de as mãos serem o instrumento mais universal de que o ser huma-no dispõe. Além de instrumento, as mãos são ainda meio de comunicação entre pessoas de línguas diferen-tes. Através das mãos comunicamos energia, rompemos distâncias…
Mas também, através das nossas mãos, podemos comunicar algo maior e que não nos pertence. Na nossa mão há a Mão da Vida; encontramos esta expressão em diferentes tradições religiosas: “a Mão de Deus”. Algumas vezes podemos nos sentir guiados, como se tivéssemos uma Mão pousada em nosso ombro, em nossa cabeça, nas nossas costas, para nos fazer avançar, para nos manter de pé. Em hebraico, a mão simbolizada pela letra y (yod), é encontrada no tetragrama YHVH, que significa Javé.
As mãos estão sempre associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.
“Mãos à obra” é uma expressão acertada e precisa. Não é possível continuar fazendo elucubrações vazias sobre as coisas, divagando sobre o legalismo e o moralismo, especulando ideias piedosas e estéreis… Às vezes, em nosso meio cristão, sobram grandes ideias e palavras em excesso, mas sempre faltam mãos abertas, mãos estendidas, mãos ativas, dispostas a se sujar, a gastar-se e empenhar-se no esforço por construir, por abrir as portas à vida daqueles que estão à margem. Sempre serão mais urgentes mãos capazes de reconciliar e de elevar quem está mais afundado, mais quebrado, mais ferido; mãos capazes de suportar a própria carga e a carga alheia, daqueles que não tem quem os ajude ou de quem os defenda, a de quem não tem forças, nem esperança…
Textos bíblicos: Mc 1,40-45
Na oração: Para rezar com o tato você deve, ainda, aprender outras linguagens: das
mãos (cumprimentos, abraços, carícias, aplausos); dos lábios (beijos, consolos, palavras agradáveis); dos olhos (sorrisos, lágrimas); do coração (sensibi-lidade e afetos…)
Ninguém toca ninguém “de longe”. Você também estará tocando em Deus ao se aproximar d’Ele com uma visita, um telefonema, uma mensagem, uma saudação na rua, um favor, um serviço prestado com amor, um serviço voluntário…
Há templos famosos pela liturgia da oração tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias, sanatórios, asilos, favelas… Não deixe de frequentá-los.
– Na sua oração, sinta-se próximo de todos. Toque tudo. Acaricie todas as suas recordações. É uma forma fabulosa de rezar a vida.
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ