A verdade vos libertará?
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
Santo Agostinho, nas suas Confissões, disse que ao longo da vida encontrou muitos homens dispostos a enganar outros, mas nenhum disposto a ser enganado. Buscar a verdade, querer saber a verdade, exigir a verdade, parece ser um imperativo humano. Por mais dolorosa que seja, queremos a verdade; ninguém gosta de ser enganado. Mas, no nosso dia a dia, talvez estejamos mais próximos da indagação de Pilatos que perguntou a Jesus: “O que é a verdade?”. Pergunta eterna que, na sociedade contemporânea, ganha ares de uma quimera ou de um desejo ingênuo. Não sabemos o que é a verdade, ou melhor, nas palavras de Byung-Chul Han: “Perdemos a crença na verdade” (Infocracia: digitalização e crise da democracia).
Ao longo da história, à parte de questões epistemológicas, a verdade serviu como um regulador social. A verdade é para ser seguida; o erro ou a mentira, devem ser evitados. Por isso, numa sociedade de mentiras, Fake News e dissimulações, a crise da ideia de verdade se torna, também e perigosamente, uma crise da sociedade. Para Byung-Chul Han, nas sociedades contemporâneas o regime do verdadeiro é soterrado pelo regime da informação. A sociedade atual sofre uma profunda mudança na esfera pública causada pela avalanche atordoante de informações que nos assolam cotidianamente. Vivemos embriagados pelo excesso de informações que nos são dadas de forma fragmentária e descontinuada, atomizando o tempo e fazendo de nossas vidas uma mera e entediante sucessão de presentes pontuais. Um novo niilismo prolifera hoje causado pelo excesso de dados e informações que paralisam o pensar. Os algoritmos fazem nossas escolhas a partir das nossas mesmas escolhas. Somos animais enchafurdados em um consumo aditivo e cumulativo de informações. Eis a real ameaça à democracia: tornarmo-nos seres meramente consumidores de informações.
Verdade e democracia caminham juntas. Mas, como entender a verdade nessa sua dimensão social? Como discernir as mentiras e os erros, e buscar o caminho da verdade na sociedade do excesso de informações, e porque não dizer manipulações, em que vivemos? Tarefa difícil, mas necessária. A filosofia, em sua abordagem epistemológica, sempre busca respostas para as questões anteriores. Daí o surgimento das várias teorias da verdade. Temos as teorias ontológicas que buscam uma definição do conceito de verdade. Outras teorias são criteriológicas e buscam descobrir quais são os critérios que nos permitem identificar um enunciado verdadeiro. Outras teorias são verificatórias, ou seja, são aquelas que estudam os processos de verificação para se saber se um enunciado é verdadeiro ou não.
Em constante diálogo com a dimensão filosófica das teorias da verdade, a verdade social é de registro narrativo. Ela promove sentido e identidade a partir de um processo narrativo, de uma ação comunicativa, onde contextos, tradições e pensamento reflexivo são importantes. Assim, a verdade não pode ser deslocada da linguagem e das práticas sociais. Por isso mesmo, a verdade é acessível apenas num processo hermenêutico de interpretação junto com os outros, numa determinada tradição, colocada em constante avaliação e ressignificação intersubjetiva. Daí a dimensão trinitária da verdade social: (1) a verdade é da ordem do testemunho, portanto é uma linguagem autoimplicativa e de engajamento, (2) a verdade possui uma dimensão histórica, ou seja, a posse da verdade pelo ser humano depende do momento histórico em que o intérprete vive e (3) a verdade tem a dimensão do consenso como constitutiva porque é fruto de um processo intersubjetivo de interpretação. Então, a busca incansável da verdade é um processo que acontece historicamente, a partir de processos reflexivos e testemunhais que vão, paulatinamente, gerando consensos sociais cada vez mais abrangentes.
Acredito que agora fica mais fácil perceber como verdade e democracia são parceiras na construção social da realidade humana no mundo histórico. Não são as únicas, mas são importantes em todo processo humano que tem como finalidade a construção de um mundo melhor, mais humano, mais justo, e por isso mesmo, mais verdadeiro. Agora, respondendo ao título desse texto podemos dizer: Sim, a verdade nos libertará!
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da Faculdade Jesuíta (FAJE)