A semente, o semeador e a liberdade da semeadura
Escrito por Shirley Almeida
“O Semeador saiu para semear” (Mc 4, 3): assim foi o testemunho de vida de Santo Inácio. Atento ao chamado do Cristo Amigo que disse: “Ide, pregai, fazei discípulos” (Mt 28, 19), ele esteve semeando os Exercícios Espirituais.
Uma semeadura desejosa e na ação para que as sementes dessem frutos, porém, nesse processo, não se conta só com o semeador e com a semente, como muito bem diz a parábola. Conta-se também com a terra, com as intempéries e com tantos outros fatos e fatores externos à semeadura. Nesse sentido, em Veneza, Santo Inácio se coloca em movimento para semear, decide “exercitar-se em dar exercícios” (Autobiografia 92). Oportunizou a experiência a várias pessoas ilustres, como foi o caso de Pedro Contarini, nobre clérigo veneziano, que mais tarde, indiretamente, viria ajudar a Companhia em Roma. Embora também tenha havido alguns que o desacreditavam por boatos que ouviam.
Ainda assim, ele se colocou em movimento, nos ajudando a perceber mais uma vez em seu testemunho um dos ensinamentos de Jesus: o desapego à nossa ação no mundo e a confiança da missão divina confiada a nós a partir da nossa vida.
Nesse contexto, o Papa Francisco também nos ilumina: “Em primeiro lugar, devemos compreender que a evangelização ‘não é uma simples pregação, é um anúncio, é muito mais’: com efeito, o anúncio ‘mexe conosco, entra, muda os corações’. E o motivo, disse Francisco, é simples: ‘porque dentro há o Espírito Santo. Sem o Espírito Santo não há evangelização’. E ‘ele é o protagonista da evangelização, nós somos os servos. Mas é ele que nos leva em frente’. Portanto, ‘quando não há o Espírito existem apenas as nossas capacidades’, pode haver ‘também a nossa fé, mas sem o Espírito não vamos em frente; os nossos corações não mudam’”.
E também não ajudamos nossas irmãs e irmãos a mudarem os seus.
O peregrino Inácio, com muita sabedoria, entendia que “exercitar-se a dar os exercícios”, seu anúncio de evangelização, era um treino de se colocar a serviço gratuitamente, ou seja, fazendo a sua parte, mas confiando que a ação era do Espírito. A semente já estava, o semeador se colocava a serviço, mas seria o sopro do Espírito que conduziria a ação dos frutos.
Nesse testemunho de confiança na missão divina dada a ele, Santo Inácio de Loyola não se deixou abater por aqueles que duvidavam ou o queriam colocá-lo a prova, não parou sua missão por falta de reconhecimento da sua ação. Ele simplesmente confiava no ardor interior e se colocava em aperfeiçoamento para dar os Exercícios a fim de que alcançassem seu motivo maior: ser instrumento de aproximação, conversão e seguimento do Cristo Amigo.
A exemplo disso, em Veneza também, acompanhou um certo bacharel Hoces, que tinha diversas indagações sobre o método inaciano de rezar e, mesmo tendo o desejo e proximidade a Santo Inácio, tinha receio de que os “Exercícios lhe ensinassem má doutrina”. Essa experiência resultou ao bacharel uma surpresa: mesmo em meio a suas inseguranças e consultas a livros por medo de ser enganado, “aproveitou muito e por fim resolveu seguir o caminho do Peregrino.” (Autobiografia, 92)
Contempla-se então que “outra parte caiu em terra boa e deu fruto, brotando e crescendo” Mc (4, 8). Concretiza-se, portanto, com a acolhida das críticas por Inácio, o pressuposto que “todo bom cristão está mais pronto a justificar uma proposição do próximo do que a condená-la.
Para que, tanto o que dá os Exercícios como o que os recebe, se ajudem mutuamente e tirem maior proveito” (EE 22).
Ainda em sua mensagem, o Santo Padre nos alerta: “‘muitas vezes, vimos planos pastorais bem concebidos, perfeitos, como devem ser feitas as coisas, passo a passo, mas que não constituíam um instrumento para a evangelização, eram um fim em si mesmos. E estes planos pastorais falharam’. Porquê? ‘Porque não foram capazes de mudar os corações’. ‘A verdadeira coragem da evangelização — disse — não é uma teimosia humana, mas encontra-se no Espírito Santo. Em síntese: anúncio significa ir em frente’, fazendo ‘coisas bem concebidas, bem rezadas’, mas sempre ‘com o Espírito como protagonista¹’”.
Resta-nos, então, nos perguntar: tenho feito da minha ação a missão de Deus no mundo ou tenho me deixado levar pelo desânimo causado pelos desafios ou pela vaidade das minhas capacidades? Tenho insistido em semear, mesmo não vendo frutos? Tenho feito da minha vida verdadeiramente uma vitrola que canta “põe a semente na terra, não será em vão, não te preocupes a colheita, planta para o irmão”?
Que Deus nos dê a graça de saborear a certeza de que precisamos “fazer tudo como se dependesse de nós, mas sabendo que tudo depende de Deus”.