Centro Loyola de Fé

A Páscoa dos corpos

“Tudo começa com o corpo. Tudo se faz pelo corpo. Tudo se inventa com o corpo.”

Tudo se cria para o corpo. Tudo se desfaz com o corpo. O corpo atrai, repulsa, repugna, une, funde, ama, separa, odeia, mata, morre. O corpo come, se come, tem fome, tem sede, bebe, se bebe. O corpo respira, inspira, expira, conspira, pira. O corpo emigra, transmigra, revive, retorna, retoma, ressuscita. Corpo físico, corpo psíquico, corpo de pedra, corpo sólido, corpo líquido, corpo gasoso, corpo espírito, corpo espinho. Corpo animal, corpo vegetal, corpo mineral, corpo humano, corpo da terra, corpo de Deus, de deusas, de deuses. Corpo fala, corpo cala, mil falas, falácias, audácia. Corpo cansa, descansa, descaso, acaso, ocaso, caso, casa. Corpo bom, corpo mau. O corpo é minha história e meu destino. O corpo é minha vida e minha morte. O corpo é meu amor, minha paixão, minha liberdade, minha igualdade, minha fraternidade, minha sonoridade, minha esperança, minha saudade. O corpo é minha carne, meu sexo, meu trabalho, minha cidade, meu país, meu mundo, minha terra, meu planeta, minha galáxia. O corpo é meu igual, meu diferente, meu indiferente, meu mais, meu menos, meu multiplicado, meu dividido, meu subtraído. O corpo é meu teorema, minha hipótese, minha tese, minha antítese, minha síntese, minha dialética, minha demonstração, minha alucinação. O corpo é minha letra, minha linguagem, minha literatura, minha leitura, minha escritura. O corpo é minha dor, minha angústia, minha lágrima, minha saliva, meu escarro. O corpo é meu filho, minha mãe, meu pai, minha avó. O corpo é meu mito, meu rito, minha ética, minha poética, minha religião, minha invenção. O corpo é minha guerra, minha paz, minha ventania, minha calmaria, minha nostalgia. Tudo é corpo. Nada é fora do corpo.” (Ivone Gebara)

O Mistério da Páscoa nos coloca diante de um corpo aniquilado. O sepulcro está vazio, mas o Mestre está diante de nós, com um corpo marcado pela provação, chamando-nos pelo nome. Ressurreição, plenitude do mistério da comunhão através dos gestos, da proximidade, do abraço. Celebra a gratuidade do Amor de Deus que faz crescer, comunhão mágica com a criação, mistério de amor em todas as direções. A cada abraço sentido, uma ressurreição também vivida. Comunhão do sensível e expressão do que se toca, do que se sente no viver de corpo inteiro dentro do Mistério Pascal, mistério da Ressurreição. Assim, em tudo que se comunga através das expressões corporais, não é apenas gesto, muito mais: vivemos o sim da partilha tão próprio do mistério pascal. Gesto e gosto de pele, do sensível, do toque, da acolhida, da proximidade, da intimidade. Momentos de se louvar a Deus através da fala do nosso corpo.

A experiência do encontro com o Ressuscitado nos faz também encontrar o verdadeiro lugar do nosso corpo em nossa vida. Normalmente tratamos mal nosso corpo: há muito de stress, de suspeita, medo e submissão. Sabemos muito sobre nossa mente e muito pouco sobre nosso corpo, temos uma alma livre num corpo rígido. Esta é a revelação efetiva, nossa alma não é de todo livre se não libertamos também nosso corpo de seus hábitos rígidos, seus andares militares, suas posturas mecânicas, seus falares eletrônicos.

Temos de recuperar a consciência do corpo

Ele a tem e está desejando comunicar-se conosco e dizer-nos como se sente no frio e no calor, no cansaço e no vigor, no sonha e na digestão, em seus órgãos e em seus sentidos, em seu bem-estar geral ou em seus sintomas especializados que em tempo nos alertam de perigos pessoais. É preciso estabelecer o diálogo com o corpo. Não se trata apenas de uma reconciliação amistosa, mas de uma descoberta radical. Ignoramos nosso corpo, apesar de tê-lo tão próximo. É preciso dar-nos conta das riquezas que tem, o muito que sabe, a importância do que tem a nos dizer, a necessidade de seu apoio e a sabedoria de sua amizade. Aqui está nosso melhor amigo, fielmente a nosso lado, e nem sempre o percebemos.

Ter consciência do corpo ao começar o dia

Para continuá-la em cada momento e viver os acontecimentos da jornada em companhia do corpo que aconselha, avisa e dirige. Isso nos permite encontrar a paz corporal, o contato sensorial, o prazer orgânico, a sabedoria silenciosa, o bem-estar cinético, o sorriso ambiental. A atenção ao corpo faz com que nossos movimentos, nossos músculos, nossos sentidos, nossos ossos, nos conduzam pelo dia com a suavidade que eles conhecem, com a sabedoria que acumulam, com a energia que possuem. São a retomada da totalidade de nosso ser orgânico, que não é uma alma suspensa do nada, mas um organismo que vive e respira.

Esta atividade do organismo inteiro ou, melhor dizendo, exercícios corporais com atenção espiritual, fazem bem à pessoa toda, devolvendo a ela a unidade do ser e do fazer. São meditação em movimento, contemplação em ação, recolhimento em sua totalidade de alma e corpo, mente e coração. Esta é a grande virtude, base de todas as virtudes: estarmos recolhidos, atentos, devotos, plenamente em contato conosco mesmo, com tudo o que somos e sentimos, com tudo o que nos rodeia, nos afeta e nos espera, com tudo o que acreditamos e tudo o que experimentamos como realidade de vida. É a plenitude de estar onde estamos, fazer o que fazemos e ser o que somos.

Texto Bíblico Jo 20,11-18 / Jo 20,19-29 / 1Cor 15,35-44

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