Centro Loyola de Fé

A mesa do banquete do Reino: lugar de festa, acolhida e partilha

Parafraseando o poeta, “celebrar é preciso”! Nesses tempos difíceis de crise não só pandêmica, mas também política e econômica, celebrar é também uma forma de resistência. Celebremos, pois, saboreando internamente, a vida, os encontros, os gestos solidários, os olhares amorosos. Agradeçamos ao Deus de Ternura “tanto bem recebido” (EE 233) nesses dezessete anos de missão do Centro Loyola de Fé e Cultura de Goiânia.

O Papa Francisco nos pede uma Igreja em saída, aberta e em estado permanente de missão, que seja criativa e ousada no seu modo de proceder. Uma Igreja-Povo de Deus, samaritana e em movimento, que com coragem para acolher, escutar e curar as feridas daqueles que estão mais distantes, inclusive. Uma Igreja madalena, materna e misericordiosa, que não teve medo de anunciar a Ressureição do Verbo nas madrugadas ainda escuras da história.

No texto de Lc 7, 36-50, a composição vendo o lugar da cena acontece na casa de Simão, o fariseu. A partir de um convite para tomar a refeição, Jesus reúne-se com seu anfitrião ao redor da mesa. A mesa como o lugar teológico do encontro, da festa e da partilha: a “mesa do banquete do Reino”, como nos aponta Carlos Rafael Cabarrús, SJ. Um tema central nos Evangelhos! O banquete que os convidados óbvios rechaçam, fogem, postergam, sobrando assim, os empobrecidos, os marginalizados e os excluídos das encruzilhadas de todos os tempos.

Como farol luminoso, a “mesa de banquete” apresenta um caminho de discernimento com seus quatro pedestais. Sem um deles, a mesa fica instável e não se sustenta. O primeiro consiste no direito e na justiça que leva ao comprometimento corajoso do cristão. O segundo critério, refere-se ao necessário confronto com a misericórdia do Senhor. O terceiro compreende na perseguição e incompreensão inerentes a caminhada cristã, a irrenunciável cruz. E, por fim, o mandamento maior do amor: amar os irmãos como a si mesmo.

Jesus não assume uma atitude passiva, mas “reclina-se” à mesa. Ou seja, desloca-se, abandonando sua posição confortável para se aproximar dos demais. Essa é a atitude fundamental do discipulado: a kénosis, que é saída do “próprio amor, querer e interesse” (EE 189). Afinal, como nos ensina o bispo dos pobres, D. Hélder Câmara, “missão é partir, mas não devorar quilômetros”, pois “é, sobretudo, abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los”.

Mas, no meio do caminho tinha uma mulher. Uma mulher não identificada, pois seu nome pertence à todas aquelas mulheres que continuam sendo vítimas da opressão patriarcal. O preconceito, o machismo e a misoginia já haviam lhe imposto a alcunha de pecadora. Sua irrupção naquele contexto é incômoda e escandalosa. Não há lugar para ela no banquete do fariseu. O purismo rigorista da lei religiosa grita mais alto.

Negros, LGBTQIA+, povos indígenas e quilombolas, nordestinos, praticantes das religiões afro, pessoas em situação de rua, encarcerados, sem-terra e sem-teto, desempregados, moradores das periferias, trabalhadores informais… Há espaço para eles, no nosso coração, nas nossas comunidades?

Se aqueles piedosos homens se sentem chocados, o mesmo não acontece no interior de Jesus. Ele simplesmente acolhe a surpresa que vem do inesperado, do improvável, da margem esquecida. E permite que o amor se derrame de coração a coração. Não cede às expectativas dos fariseus para aumentar os muros da exclusão e afastar aquela que Lhe busca no meio da dureza e do julgamento.

Entre aquela mulher e Jesus não havia mais nada. Só o instante presente. Ela estava inteiramente consciente de apenas uma Presença e só essa lhe importava. Os olhares acusadores, os semblantes fechados, a atmosfera pesada não foram suficientes para lhe impedir de encontra-Lo. E nesse encontro, em que Jesus se torna seu Princípio e Fundamento, ela é devolvida a si mesma e se reencontra no seu mais profundo. Enquanto que no coração amargo e endurecido de Simão se avoluma a descrença e o medo pelo diferente. Aquilo que nos escapa nos dá medo!

Na mesa do banquete de Jesus há sempre espaço para mais um. Os critérios do Reino se encaixam perfeitamente aqui. Com seu compromisso radical pela justiça, Ele a retira da excludente e opressiva condenação patriarcal. Afinal, Seu olhar de pura misericórdia vai além e Lhe permite enxergar o melhor de cada. Obviamente essa postura gera uma reação. No fundo, o próprio Senhor é questionado e incompreendido pela sua bondade e ternura. Todavia, Jesus que vive em profunda comunhão com o amor do Pai nos convida ao amor gratuito e incondicional.

Oxalá, a celebração do aniversário dessa casa seja uma oportunidade para promover um bonito e aprofundado exame de consciência sobre a missão vivida nos últimos anos. O ano inaciano, em que somos convidados a ver novas todas as coisas, é uma ocasião propícia para reconhecer as maravilhas de Deus na história dessa comunidade de amigas e amigos no Senhor. Esse Cristo Amigo que não cessa de trabalhar em cada uma e em cada um (EE 235) para que, percebendo como todos os bens e dons descem do alto” (EE 237), possam ser mulheres e homens para e com os demais.

Desejo, cheio de esperança, que o Centro Loyola de Goiânia seja sempre um espaço acolhedor e convidativo para todos aqueles e aquelas que desejam saborear a Trindade de Amor. Como poetizou o bispo-profeta Pedro Casaldáliga: “no final do caminho me dirão:/ – E tu, viveste? Amaste?/ E eu, sem dizer nada,/ Abrirei o coração cheio de nomes”. Peçamos a graça de, com ânimo e generosidade, criar a cada dia uma mesa do banquete do Reino, que seja um lugar de encontro para festejar e partilhar a vida, cheia de nomes e alegrias!

Gabriel Vilard

16/10/2021

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