A menina cansada que espera o ônibus
A menina cansada que espera o ônibus
Vejo uma paisagem densa
Cheia de gente, de seres humanos, a cidade, afinal,
De fumaça dos ônibus lotados
Do agressivo território do “Terminal”.
Os olhos cansados dos que trabalharam
São cheios de desencanto; parecem mortos,
E buscam o lar distante
Na rotina de mais um dia, incessante.
E a angústia dos olhos dos homens tem raiz
Uma raiz profunda e dura
Que é presença permanente em cada olhar
De perplexidade e indagação.
Esses olhos de tristeza e medo, indagadores,
Transparecem – insondáveis – que a paz e a alegria
Só se encontram além da linha do horizonte
Num lugar inatingível. Que elas são, de fato, impossíveis…
É, “não existe esta manhã que eu perseguia”…
E, assim, o “Terminal” parece ser um lugar edificado para o sofrimento,
Como se casas de barro, ferro e cimento,
Tivessem alma, sentimento, completude
Como as prisões e os orfanatos, onde a nota é o abandono…
Vejo nos olhos de todos, desesperança e sono…
Essa angústia cava, no homem, a sua imensidão
Ser profundo e difuso nos seus penares.
Há muitas penas e fadários no “Terminal”
Com seus cansaços, fadigas e falares.
Possuo esse desejo de encontrar os outros em mim
No despertar, para sempre, antigas dissonâncias.
Vejo a constância dos olhares dos que buscam o coletivo
Um lenitivo à dureza da vida – Mas o ônibus não vem!
Mas, há essa tarde morrendo no “Terminal”, opaca e triste.
Mais um dia que termina no mundo indiferente,
Em que vejo sombras que brincam na quase escuridão!
É o momento de fronteira que poucos vêem,
Pois também estão nas sombras, pequenos e pisados,
Como todos os humildes que abriram ruas e levantaram cidades
Na força bruta dos braços fortes e das mãos calejadas.
As cidades são erguidas nos suores dos que pelejam!
Vejo a sombra e vejo que tudo é vão, disperso,
E confesso que o momento que passa
Vai ligeiro defrontar minha alma
Nas perplexidades de um fim de dia, no “Terminal”.
Que espetáculo humano formidável
Infindável,
Triste e chocante
O “Terminal” de ônibus!
Na dureza do dia que empedra homens
Há uma voz do ontem de todos, escondida,
Como se outrora tivesse a força
De mudança do destino.
Esse mundo de ruídos, fumaça e transeuntes assusta,
Na rotina de todos ali passarem, a carregarem suas dores.
Nos rumores de quem luta pelo pão, em sacolas de ilusão,
E que se consagra ao sofrer, numa resignação.
Há na estrada de cada um, ali, uma solidão,
Pois que morreremos sozinhos
Compelidos a nós mesmos,
Na fatalidade de todas as coisas.
Nesse burburinho sinto a poesia
Dentro dos olhos da menina cansada que espera o ônibus.
Nos braços, uma boneca feia e descabelada,
Agarrada com cuidado de uma mãe que acalenta a filha.
Ela ainda tem no olhar uma nesga de esperança
Tão diferente dos olhos dos adultos ali parados
Que de tão cansados, já não odeiam, e nem amam;
São projetos inacabados de homens que, um dia, sonharam.
Vejo a sombra do ônibus no olhar ansioso da menina
Que, cansada, com suas perninhas finas,
Espera o momento de voltar para a casa simples
De um bairro muito distante – um reino indiferente.
E nesse seu mundinho de coisas pequenas e simplórias
Sem glórias e sem valia, vejo lápis, cadernos e livros,
Na sua escola singela, com a professora cansada e desiludida,
A desfolhar, entristecida, também, as páginas da vida.
Essa menina magra e mal vestida que espera, empurrada, um ônibus,
Não é personagem de história de fada. Há nela dura realidade
Da brutalidade social que se derrama na sua idade
A desmanchar possíveis sonhos e venturas – na dureza inconsciente da cidade.
Essa menina é a poesia de minha tarde tristonha.
Vejo-a, empurrada e espremida, entrar no ônibus da Vila Mutirão.
Na sua casinha pobre, de placa de cimento – nesse momento,
Continua sua existência fadada ao sofrimento do pouco esperar.
Dorme, menina cansada, com suas perninhas finas, suas roupinhas surradas.
Dorme e sonhe com um reino diferente, na sua caminha pobre.
Que a paz dos simples reine em seu peito e no seu destino esteja Deus
E Te proteja – como a singeleza desse versinho meu.
O ônibus foi embora com os pedaços de sofrimentos em cada alma.
Nos pés doídos da pouca calma da espera angustiante…
De cada instante, na dureza do dia, sem luxo e sem futuro,
Embrutece, em cada olhar, as pelejas do destino duro!
Alma da cidade, nos ônibus enfumaçados, os olhos da menina.
Olhos profundos que filtraram a imagem dos sofrimentos
E naqueles momentos de espera, pousaram em mim, suas incertezas,
O que nem sabe definir, apenas, a profunda tristeza…
Seus olhos agora, menina, são grandes faróis, a iluminarem
A escuridão desolada da minha tristeza, na tarde dessa cidade.
Vejo, no âmago do meu eu, os seus doces e profundos olhos, menina,
Eles estão imersos e imensos dentro de mim, na sua imagem pequenina!